Matheus Macedo-Lima
30/03/2016

“Jardim” de bactérias intestinais crescendo em placa. Elas podem ajudar a reduzir a letalidade de AVCs. [1]
“Jardim” de bactérias intestinais crescendo em placa. Elas podem ajudar a reduzir a letalidade de AVCs. [1]
Há 1,3 vezes mais células bacterianas do que humanas em nosso corpo (com uma variação ao longo do dia dependendo do momento de defecação) [2]. Discussões sobre se isso nos torna “mais bactéria do que gente” à parte, esses números indicam que bactérias são muito importantes para o funcionamento do nosso organismo. Há quem defenda que o microbioma intestinal é um “órgão esquecido”, por ser fundamental para a regulação do nosso metabolismo e sistema imunológico [3, 4].

Um papel mais recentemente descoberto é o impacto dessas bactérias no funcionamento do cérebro. Estudos indicam que nosso microbioma determina até nossos hábitos (e desejos) alimentares [5]. Seríamos nós, zumbis controlados pelos seres em nosso intestino? Pense nisso da próxima vez que desejar um bolo de chocolate…

A cada dia, descobre-se que a importância dessas bactérias vai além do que se podia imaginar. Dessa vez, pesquisadores descobriram que a variedade de bactérias intestinais pode determinar a severidade de um acidente vascular cerebral (AVC ou derrame) em camundongos [6]. Quando se reduz a variedade das bactérias intestinais por meio de antibióticos, os animais apresentaram menos sequelas e menos dano cerebral após a indução de um AVC.

Mas como se ter certeza de que isso é um efeito das bactérias e não do antibiótico? Bem, para resolver esse problema, eles desenvolveram um método super legal de dar antibióticos a animais sem que isso interfira na flora intestinal. Como? Primeiro, preciso explicar algo que pode ser um pouco nojento para alguns, mas lá vai: camundongos são fofinhos, mas são coprofágicos (comem cocô). Na verdade, há uma razão bem inteligente por trás disso: como alimentos de origem vegetal são difíceis de digerir, os camundongos ingerem as fezes para poder absorver nutrientes que não foram absorvidos na “primeira passagem”. Os pesquisadores se aproveitaram desse hábito para conseguir que camundongos “compartilhassem” bactérias intestinais. Eles desenvolveram uma linha de camundongos com bactérias resistentes aos antibióticos e os colocaram na mesma gaiola dos animais tratados com antibiótico. Então, camundongos que recebiam antibióticos (com microbiota não-resistente), recuperavam suas microbiotas ingerindo fezes de animais com bactérias resistentes às drogas (doadores).

Comparando os dois grupos de animais (apenas tratados com antibiótico versus tratados com antibiótico que coabitaram com doadores), os pesquisadores determinaram que a redução da variedade da flora intestinal reduziu a extensão dos danos cerebrais e as sequelas comportamentais causadas pelos AVCs. Eles mostraram que, com uma flora intestinal mais pobre, menos células de defesa originadas no intestino são transportadas para o local do AVC, o que reduz a inflamação cerebral consequente do AVC.

Esse estudo sugere que a manipulação da microbiota pode ser um importante atenuante do dano de AVCs (e provavelmente de outras doenças inflamatórias), e pode ser aplicada, por exemplo, em casos de alto risco iminente. Vale ressaltar que mais de cem mil brasileiros morrem de AVCs por ano, que são uma das maiores causas de morte da sociedade moderna. Ainda são necessários, no entanto, estudos em humanos que determinem a eficácia do método e os impactos da alteração da microbiota. Quanto à coprofagia, já existe uma técnica chamada transplante de microbiota fecal [7], mas deixemos essa discussão para uma outra oportunidade…

[1] Crédito da imagem: Nicola Fawcett (Own work) [CC BY-SA 4.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0)], via Wikimedia Commons.

[2] R Sender et al. Revised estimates for the number of human and bacteria cells in the body. PLoS Biol 14, e1002533 (2016).

[3] V Bocci. The neglected organ: bacterial flora has a crucial immunostimulatory role. Perspect Biol Med 35, 251 (1992).

[4] JK DiBaise et al. Impact of the Gut Microbiota on the Development of Obesity: Current Concepts. Am J Gastroenterol Suppl 1, 22 (2012).

[5] J Alcock et al. Is eating behavior manipulated by the gastrointestinal microbiota? Evolutionary pressures and potential mechanisms. BioEssays 36, 940 (2014).

[6] C Benakis et al. Commensal microbiota affects ischemic stroke outcome by regulating intestinal γδ T cells. Nature Medicine 22, 516 (2016).

[7] P Moura. Transplante fecal já é realidade e pode até substituir o antibiótico. UOL. URL: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2015/10/28/transplante-fecal-ja-e-realidade-e-pode-ate-substituir-o-antibiotico.htm. Publicado em 28 de outubro (2015).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Bactérias do intestino podem te proteger contra derrames cerebrais. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/03/bacterias-do-intestino-podem-te-proteger-contra-derrames-cerebrais/. Publicado em 30 de março (2016).

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