Bruno Carneiro da Cunha
07/11/2016

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Feynman costumava dizer que só aprendíamos realmente uma teoria física se pudéssemos explicá-la a qualquer pessoa (um taxista na versão original). Nesse critério, sobre a pergunta original, a resposta dura e honesta é: não sabemos.

Como todas as ideias revolucionárias em física, a premissa por trás da teoria de cordas é extremamente simples: substituir o conceito de “partícula pontual”, sem estrutura interna, por lacinhos. A noção veio dos trabalhos do físico italiano Gabriele Veneziano em 1968, que, ao deparar com certos tipos de colisões entre quarks, conjecturou uma fórmula para a interação que foi posteriormente interpretada por Nambu, Goto e Susskind como vibrações de corda elástica entre as partículas.

Este modelo para as interações entre quarks — a interação forte, caiu em desuso devido ao sucesso da então jovem cromodinâmica quântica em explicar o conceito de “liberdade assintótica”: o fato dos quarks se comportarem como partículas livres para energias suficientemente altas. Pior, por volta de 1973 vários autores — Goddard, Goldstone, Rebbi, entre outros — mostraram que a teoria só respeitaria a relatividade de Einstein e a mecânica quântica se a corda estivesse em 26 dimensões. Além disso, vários problemas técnicos com o ferramental produzido por Nambu e Goto para lidar com a teoria pareciam intransponíveis.

No entanto, a teoria de cordas continuava a parecer um atrativo devido a sua combinação da mecânica quântica e da gravitação. De fato, a história da teoria tem sido pontuada por questões fundamentais sobre sua aplicabilidade e por avanços técnicos-conceituais surpreendentes. Em 1981, Polyakov mostrou o papel crucial das ideias de grupo de renormalização nas cordas — até então relacionado a sistemas não-gravitacionais — descobrindo assim uma quantidade infinita de simetrias. Por um momento, os problemas técnicos da formulação de Nambu e Goto pareciam superados.

E, de fato, o que se seguiu na década e meia depois foi uma sucessão de resultados tão impressionantes como fundamentais: em 1984, Witten e Alvaréz-Gaummé mostraram que a versão supersimétrica da teoria poderia ser acoplada sem contradições com gravidade. Em 1985, o “quarteto de cordas de Princeton”, Gross, Harvey, Martinec e Rohm mostraram que partículas como os elétrons do modelo padrão poderiam ser modeladas pela teoria. Em 1991, Polchinski mostrou que partes da teoria poderiam ser confinadas em espaços com dimensões menores, eles próprios estados da teoria. Em 1995, Witten conjecturou que a teoria de cordas poderia ter uma única formulação, chamada de teoria M. Em 1997, Maldacena mostrou que o surgimento dos graus de liberdade gravitacionais na teoria de cordas poderia ser visto como um fenômeno mais geral: uma gama ampla de sistemas com simetrias de calibre — parentes da cromodinâmica quântica — poderiam ser vistos em um regime de acoplamento forte como um sistema gravitacional.

Desde então, o que se seguiu foi agridoce: ao mesmo tempo que as evidências apontavam para uma estrutura matemática riquíssima, a dificuldade de modelar qualquer aspecto do mundo real continuava intransponível. A teoria ainda era formulada em 10 dimensões, o que fazer com as dimensões excedentes parecia claro até a demonstração por volta de 2003-2004 que havia mais de 10500 (isto, 1 seguido de 500 zeros) soluções estáveis, com a maioria delas não tendo nada em comum com o universo em que vivemos. Em um ato meio desesperado, alguns cientistas tentaram formular argumentos antrópicos para que pudéssemos escolher uma solução especial dentre as 10500. Desnecessário dizer que, assim como as outras vezes em que tais argumentos foram usados, nada se aprendeu de concreto desde então. Até mesmo o maior sucesso da teoria — a descrição microscópica de buraco negros, começando em 1996 com Strominger e Vafa — não pôde ser transportada para os casos que possam ter aplicações em astrofísica.

A teoria teve — e tem — muito mais sucesso como ferramenta matemática. Ideias propostas por Penrose nos anos 70, e incorporadas à teoria de cordas são usadas por físicos de partículas hoje em dia para interpretar dados do LHC. Versões simplificadas da teoria de cordas tem sido usada como ferramentas para estudo de teoremas profundos de análise complexa e teoria de números — expandindo profundamente trabalhos de Ramanujan e Riemann. Ferramentas de gravitação — ou a geometrização das interações — foram aplicadas extendendo o trabalho de Maldacena para sistemas tão diversos como condensados de Bose-Einstein, átomos frios, fluidos quânticos e até mesmo cromodinâmica quântica — curiosamente não da maneira como tudo começou. O impacto ou o sucesso deste ferramental na física só será realmente reconhecido pela próxima geração.

Apesar de não sabermos ainda o que é a teoria de cordas, é inegável reconhecer que ela modificou profundamente a maneira que encaramos a física. Mostrou que a modelagem da natureza pode ser indireta, e que gravitação pode ser um fenômeno emergente. Se o sonho de uma teoria única parece hoje muito mais distante que era antes de 1995, bem, só posso argumentar com um paralelo. Na década de 1960, a ferramenta de teoria quântica de campos também estava ameaçada por uma série de infinitos que tornavam a teoria suspeita. Uma grande parte da comunidade se juntou para tentar uma formulação matematicamente rigorosa, mas, apesar de resultados notáveis (teorema spin-estatística, invariância CPT), foi o trabalho de “fenomenologistas”, interessados não em consistência matemática mas sim em modelar fenômenos, como Salam, Weinberg, Glashow, Englert, Higgs, Wilson, Gross, Wilczek e Politzer que não só elucidaram qual teoria quântica de campos é realmente usada para modelar os fenômenos da física de partículas, mas também elucidaram o papel dos infinitos na formulação matemática.

Talvez seja isto: que a teoria de cordas seja uma linguagem à espera de alguém que com ela escreva as leis que modelam o universo. Não é pouco, mas também não é o bastante. [2]

[1] Crédito da imagem: xkcd / Creative Commons (CC BY-NC 2.5). URL: https://xkcd.com/171/.

[2] Para ler mais:
(a) P DiVecchia and A Schwimmer. The beginning of string theory: a historical sketch. URL: https://arxiv.org/abs/0708.3940;
(b) J Polchinski. What is String Theory? URL: https://arxiv.org/abs/hep-th/9411028 ;
(c) J Maldacena. The Illusion of Gravity. URL: http://www.sns.ias.edu/~malda/sciam-maldacena-3a.pdf;
(d) KC Cole. The strange second life of string theory. URL: https://www.quantamagazine.org/20160915-string-theorys-strange-second-life/.

Como citar este artigo: Bruno Carneiro da Cunha. O que é teoria de cordas? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/11/o-que-e-teoria-de-cordas/. Publicado em 07 de novembro (2016).

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