Matheus Macedo-Lima
01/03/2017

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Se fosse para adivinhar, eu arriscaria dizer que você, leitor(a), é destro(a). Meu palpite é baseado na estimativa de que 9 em cada 10 humanos usam a mão direita com mais destreza e frequência. Uma prevalência que possivelmente já existia em neandertais [2]. A baixa frequência de canhotos já foi até motivo de discriminação no passado – achava-se que eram criações do demônio. Uma consequência disso foi a alteração do significado da palavra “sinistro”, que originalmente significava “esquerda” no latim.

Mas você já se perguntou o porquê disso? O que determina a preferência por usar mais uma mão do que a outra? A resposta parece estar no DNA…

A lateralidade da destreza começa a aparecer em fetos em cerca de 10 semanas de gestação, quando eles começam a realizar movimentos preferencialmente de um lado do corpo – chupam mais o dedo de uma mão do que da outra, por exemplo. Já se sabia que existiam diferenças na expressão de alguns genes no córtex cerebral, mas nessa idade a medula espinhal ainda não é funcionalmente conectada ao córtex cerebral, o que só acontece por volta de 17 semanas. Por isso, um grupo de pesquisadores resolveu estudar a medula espinhal [3].

Os cientistas obtiveram fetos que passaram por procedimentos de aborto (legalizados na Alemanha) após 10, 12 e 14 semanas de gravidez. Eles separaram a medula espinhal em direita e esquerda e estudaram a expressão e a regulação de milhares de genes.

Vamos aos resultados. Nos fetos de 10 semanas existia lateralidade significativa na expressão de 1690 genes diferentes! Destes, 1651 se expressavam mais no lado direito do que no esquerdo, o que reafirma a maior prevalência de destros. Essa lateralidade na expressão reduziu com a idade dos fetos para 24 genes nos de 12 semanas (15 mais expressos no lado direito) e para 4 nos de 14 semanas (todos mais expressos no lado direito).

Então, os pesquisadores analisaram a regulação da expressão gênica. Eles observaram que no lado esquerdo da medula espinhal havia uma presença maior de áreas com metilação do DNA. A metilação é uma alteração da estrutura da molécula do DNA, sem alterar sua sequência, que faz com que este fique menos acessível a enzimas que possibilitam a expressão dos genes. É um tipo de alteração epigenética, que pode ser causada por influências ambientais, por exemplo (há evidências de que também podem ser herdadas). Esse achado explica, por exemplo, por que gêmeos univitelinos (mesma sequência de DNA) podem ser um canhoto e um destro.

Esse estudo pode explicar o desenvolvimento da preferência na destreza, mas não explica a origem evolutiva desta. É importante salientar que isso não é nem um pouco comum na natureza. A prevalência no uso de uma mão não foi confirmada em quase nenhuma outra espécie animal, apesar de haver desenvolvimento de preferências individuais. Curiosamente, cangurus bípedes apresentam maior frequência de canhotos em suas populações [4]. Mas afinal, qual o benefício disso para a população? Esta pergunta é difícil de responder, mas há um dado curioso que pode ajudar: no mundo dos esportes, a presença de canhotos é maior do que o “normal”, principalmente em esportes individuais, como o boxe. Isso levou alguns pesquisadores a sugerirem que a população humana evoluiu preferência por uma mão por conta da maior facilidade de cooperação que essa uniformidade representa (compartilhamento de ferramentas, por exemplo). Por outro lado, o “sinistro” seria mais beneficial em situações de individualidade, por conta do elemento surpresa [5].

Agora, por que a preferência pela mão direita ao invés da esquerda? Talvez os cangurus nos ajudem a responder essa pergunta…

[1] Crédito da imagem: Sharon & Nikki McCutcheon / Wikimedia Commons (CC BY 2.0). URL: https://commons.wikimedia.org/wiki/File%3AMany_Hands_(16859686419).jpg.

[2] DW Frayer et al. More than 500,000 years of right-handedness in Europe. Laterality 17, 51 (2012).

[3] S Ocklenburg et al. Epigenetic regulation of lateralized fetal spinal gene expression underlies hemispheric asymmetries. eLife 6, e22784 (2017).

[4] A Giljov et al. Parallel Emergence of True Handedness in the Evolution of Marsupials and Placentals. Curr Biol 25, 1878 (2015).

[5] DM Abrams and MJ Panaggio. A model balancing cooperation and competition can explain our right-handed world and the dominance of left-handed athletes. J R Soc. Interface 9, 2718 (2012).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Como nos tornamos destros ou canhotos? A epigenética explica! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/03/como-nos-tornamos-destros-ou-canhotos-a-epigenetica-explica/. Publicado em 01 de março (2017).

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