Marcelo M. Guimarães
05/03/2017

Ilustração mostrando como o espaço-tempo ao redor da Terra é deformado e arrastado. [1]
A complexidade matemática que a Relatividade Geral (RG, de agora em diante) trouxe à tona no início do século XX se tornou um obstáculo à sua aceitação, mesmo por parte da comunidade científica. Uma teoria científica tem que ter alicerce em resultados experimentais, em observações de fenômenos naturais.

A primeira confirmação da RG veio com a explicação de uma observação astronômica que até então não tinha uma explicação satisfatória no contexto da Gravitação Universal de Newton. Em 1845 LeVerrier [2] mostrou que a precessão do periélio de Mercúrio [3] era 35”/século (35 segundos de arco por século) mais rápida do que a esperada usando-se a Gravitação Universal em conjunto com todos os planetas conhecidos na época e que poderiam afetar significativamente a órbita de Mercúrio. Esse resultado foi aprimorado em 1882 por Newcomb [4] para 43”/século e confirmado por Clemence em 1943 [5] após uma reanálise de todos os dados disponíveis desde 1765.

Várias tentativas foram feitas para tentar explicar essa observação, mas nenhuma conseguiu um resultado definitivo.

Um dos resultados obtidos por Einstein durante o desenvolvimento da RG foi justamente esse valor em excesso da precessão do periélio de Mercúrio. Usando as equações de campo ele achou o valor exato de 43”/século necessários para explicar a precessão do periélio de Mercúrio. A explicação para esse excesso de 43”/século vem do fato de Mercúrio estar muito próximo do Sol e portanto em uma região do espaço-tempo que é mais deformada.

A segunda confirmação observacional da RG veio de uma previsão e não da explicação de um fenômeno já observado. Usando suas equações de campo, Einstein previu que a luz de estrelas que estivessem atrás do Sol sofreriam uma deflexão na sua trajetória até um observador na Terra. Ao distorcer o espaço-tempo, o Sol atua como uma lente e permitiria a observação de estrelas que deveriam estar ocultas atrás do disco solar. A medida dessa deflexão é muito difícil, mas foi executada em 1919 em dois locais, Sobral no Brasil e na ilha de Príncipe na Guiné, graças a um eclipse total do Sol. Einstein previu uma deflexão de 1,75”, os valores medidos no Brasil e na Guiné foram de 1,98 ± 0,12 e 1,61 ± 0,31, em ótima concordância.

A terceira confirmação também veio de uma previsão da RG, dessa vez feita por Josef Lense e Hans Thirring, em 1918 [6,7,8]. Eles previram que na presença de um corpo com massa em rotação, o espaço-tempo ao redor do corpo seria arrastado junto com ele. Esse efeito ficou conhecido como Arraste de Referenciais Inerciais, ou efeito Lense-Thirring. Sucintamente podemos elucidar esse efeito da seguinte forma. Imagine um sistema de coordenadas em algum ponto na órbita da Terra (uma seta definindo a direção x, outra definindo a direção y e uma terceira definindo a direção z), que gira junto com a Terra, ou seja, como um satélite geoestacionário. Quando ele der uma volta completa ao redor da Terra voltará para a mesma posição inicial. Porém, devido à Terra ter massa e rotação, ela deforma o espaço-tempo ao redor dela de maneira que o nosso sistema de coordenadas também vai adquirir uma rotação, ou seja, depois de completar uma volta ele não vai apontar na mesma direção. É impossível definir um referencial inercial nas proximidades de um corpo com massa que gira. Esse efeito foi medido pelo satélite Gravity Probe B [9,10], que obteve um valor de -37,2 ± 7,2 milisegundos de arco/ano, em excelente concordância com o valor previsto pela RG de -39,2 millisegundos de arco/ano.

A quarta confirmação que vou mencionar é a detecção de ondas gravitacionais pelo LIGO, em 2015. O anúncio foi feito em 2016, centenário da previsão feita por Einstein sobre a existência das ondas gravitacionais. Essa confirmação foi noticiada aqui no Saense, clique aqui para mais detalhes.

A precisão e a veracidade da Relatividade Geral são colocadas a prova constantemente. A cada nova observação astrofísica ou teste em satélites em órbita da Terra ficamos na expectativa se ela vai ser confirmada ou se teremos desvios não previstos. Ao longo do tempo algumas observações foram se somando e surgiu a necessidade de se criar novas grandezas físicas a fim de que a RG continuasse válida. Exemplos são a constante cosmológica, a matéria escura e a energia escura. Veremos nos próximos ensaios que várias tentativas estão sendo feitas para eliminar a necessidade dessas quantidades misteriosas, seja modificando a Gravitação Universal de Newton ou modificando a Relatividade Geral.

[1] Crédito da imagem: Gravity Probe B/ NASA. URL: https://einstein.stanford.edu/gallery/jalbum_gallery/Artwork/slides/Frame-Dragging_lg.jpg.

[2] S Weinberg. Gravitation and Cosmology: Principles and Applications of the General Theory of Relativity. Part Three. Wiley (1972).

[3] Os planetas orbitam o Sol em órbitas elípticas. Em uma elipse podemos definir duas distâncias claramente, a maior distância entre dois pontos na elipse é o eixo maior e a menor distância entre dois pontos sobre a elipse é o eixo menor. O Sol ocupa um dos focos da elipse, fazendo com que ao longo de uma órbita completa um planeta passe por um ponto muito próximo (periélio) e um ponto muito distante (afélio). Devido à interação gravitacional de todos os corpos no Sistema Solar, as órbitas dos planetas não são fixas, elas sofrem ligeiras modificações. Uma dessas modificações é a que chamamos de precessão do periélio e que implica na mudança da posição do periélio ao longo da órbita do planeta ao longo do tempo.

[4] S Newcomb. Astronomical Papers of the American Ephemeris 1, 472 (1882).

[5] GM Clemence. Astronomical Papers of the American Ephemeris 11, part 1 (1943)

[6] H Thirring. Über die Wirkung rotierender ferner Massen in der Einsteinschen Gravitationstheorie. (On the Effect of Rotating Distant Masses in Einstein’s Theory of Gravitation). Physikalische Zeitschrift 19, 33 (1918).

[7] J Lense & H Thirring. Über den Einfluss der Eigenrotation der Zentralkörper auf die Bewegung der Planeten und Monde nach der Einsteinschen Gravitationstheorie. (On the Influence of the Proper Rotation of Central Bodies on the Motions of Planets and Moons According to Einstein’s Theory of Gravitation).  Physikalische Zeitschrift 19, 156 (1918).

[8] H Thirring. Berichtigung zu meiner Arbeit: “Über die Wirkung rotierender Massen in der Einsteinschen Gravitationstheorie”. (Correction to my paper “On the Effect of Rotating Distant Masses in Einstein’s Theory of Gravitation”).  Physikalische Zeitschrift 22, 29 (1921)

[9] Gravity Probe B. GP-B status update – May 4, 2011, URL: http://einstein.stanford.edu/highlights/status1.html.

[10] I Ciufolini. Dragging of inertial frames. Nature 449, 41 (2007).

Como citar este artigo: Marcelo M. Guimarães. Entendendo a Gravidade: Parte 3 – Observações que comprovam a Relatividade Geral. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/03/entendendo-a-gravidade-parte-3-observacoes-que-comprovam-a-relatividade-geral/. Publicado em 05 de março (2017).

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