Matheus Macedo-Lima
16/08/2017

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Você come para viver ou vive para comer? Há quem diga que a hora da refeição é a hora mais feliz. Há até gente com vício patológico por comida (escrevi sobre isso aqui). Mas mesmo se sua resposta foi “como para viver”, você tem de concordar que o sabor da comida é bastante importante também. Nem que seja para te lembrar que você deveria ter cheirado aquele leite na geladeira antes de colocar na boca… Então, vamos falar de gosto?

Deixe-me desde já desconstruir um mito. Lembra daquele “mapa” da língua nos livros de ensino fundamental? Doce na ponta, salgado nos lados, azedo e amargo atrás? Tudo errado. Quer prova? Que tal fazer ciência em casa? Ponha uma gota de café amargo na ponta da língua e uma gota de mel no fundo da língua. Você sentirá ambos os gostos, porque na verdade os diferentes receptores de gosto estão distribuídos na língua inteira. Mas o que são esses receptores?

Nossa língua contém milhares de células chamadas “receptores de gosto” que ficam escondidinhas nas nossas papilas gustativas (aquelas bolinhas). Essas células são ativadas por moléculas específicas para determinarem o gosto. A ciência encontrou seis (sim!) tipos de receptores até o momento. São eles e seus ativadores:

1. Doce: sacarose (e outros adoçantes)
2. Salgado: sal (NaCl)
3. Amargo: algumas proteínas (como em venenos), fenóis, cafeína…
4. Azedo: H+ (acidez)
5. Umami: glutamato. Lembra do Ajinomoto?
6. Oleogustus: gorduras. Alguém surpreso?

Aqui vai mais uma novidade da ciência nesse tópico.

Os nossos receptores de gosto são células de vida curta. A cada 5-20 dias (sem queimar a língua) eles morrem e são substituídos. Porém, os neurônios que transportam o sinal de gosto da língua para o cérebro não morrem. Mas então, como os receptores de gosto recém-nascidos encontram os neurônios “certos” (por exemplo, receptor de doce encontrando o neurônio de doce)?

Pesquisadores da Universidade de Columbia e dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) nos Estados Unidos publicaram na revista Nature como isso acontece [2]. Primeiro, eles descobriram que cada tipo de receptor de gosto diferente fabrica moléculas específicas, que servem como sinalizadores para os neurônios certos. Eliminar esses sinalizadores faz com que os neurônios se conectem aleatoriamente a receptores de gosto errados.

Utilizando camundongos transgênicos, o estudo mostra que é possível “sabotar” os receptores forçando-os a fabricar sinalizadores normalmente presentes em outras células. Imagine um receptor de amargo enviando sinais que o fazem conectar a um neurônio de doce, por exemplo – nesse caso, o estudo mostra que os animais ficaram menos sensíveis a gostos amargos.

Esse estudo mostra, pela primeira vez, como os receptores de gosto se conectam corretamente aos neurônios, o que é uma informação básica e essencial sobre como o nosso corpo funciona. Mutações nos genes dessas moléculas sinalizadoras podem estar por trás da hiper- (ou hipo-) sensibilidade de pessoas por alguns sabores, por exemplo.

É também importante salientar que o sabor de um alimento é o resultado da combinação entre o gosto e o cheiro. Por isso a comida fica “sem gosto” quando estamos de nariz entupido. Na minha opinião, o termo correto seria “só gosto”!

Então, se você “vive para comer”, espero que esse texto tenha lhe ensinado um pouquinho mais sobre o seu órgão favorito!

[1] Crédito da imagem: Wacko_Run (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/en/monkey-tourism-ice-cream-lick-1886100/.

[2] H Lee et al. Rewiring the taste system. Nature 10.1038/nature23299 (2017).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Gosto – cada neurônio tem o seu: como o sabor vai da língua ao cérebro? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/08/gosto-cada-neuronio-tem-o-seu-como-o-sabor-vai-da-lingua-ao-cerebro/. Publicado em 16 de agosto (2017).

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