Antônio Murilo Macedo
12/01/2018

Robin americano na ilha Theodore Roosevelt em Washington DC – EUA. [1]
O Turdus migratorius, também conhecido como o robin americano, é uma ave migratória do gênero turdus, famosa por seu canto melodioso. O sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) é a espécie do gênero turdus mais comum no Brasil e é considerada, desde o decreto de 03 de outubro de 2002, como a ave símbolo do país. Todavia, não é a beleza melódica do seu canto que faz do robin americano um pássaro intrigante para a física quântica. É o seu sistema de navegação que contém uma minúscula bússola que é sensível à orientação do campo magnético da Terra. O desafio teórico é explicar do ponto de vista químico o funcionamento desta bússola. Evidências experimentais sugerem um mecanismo que envolve o entrelaçamento quântico de pares de radicais criados pela incidência de luz em uma proteína presente na retina dos robins [2].

Bem, mas antes vamos explicar porque precisamos de uma explicação quântica para um fenômeno que parece simples do ponto de vista da física clássica, afinal o funcionamento de uma bússola é algo bem entendido no âmbito do eletromagnetismo clássico. A questão central é energética. Ela está relacionada ao fato da bússola ter tamanho molecular e estar imersa em um meio aquoso (o olho da ave) em equilíbrio térmico com o ambiente, ou seja, as moléculas estão em constante movimento de translação, rotação e vibração, trocando energia com o meio sem sofrer nenhuma variação estrutural, pois suas ligações químicas são pelo menos 10 vezes mais fortes que esta energia térmica. Como é então possível que uma interação magnética de intensidade muito menor que a energia térmica do meio pode afetar o comportamento químico da bússola?

A chave para responder esta questão está na mecânica estatística quântica de sistemas fora do equilíbrio. A incidência de luz no olho do robin quebra ligações químicas produzindo pares de radicais livres com spins (momentos magnéticos) bem definidos e que podem se acoplar de duas formas distintas dependendo da orientação de seus spins: o singleto e o tripleto. No estado singleto os dois radicais têm spins com orientações opostas, enquanto no estado tripleto os spins dos radicais têm mesma orientação. Como as energias destes dois estados são muito próximas, o sistema fica fazendo transições entre eles produzindo uma oscilação quântica coerente que persiste por alguns microssegundos. As formas singleto e tripleto têm propriedades químicas distintas e, portanto, a fração de cada um na composição do estado oscilante determina o tipo de reação química que ocorrerá. Temos, portanto, um sistema altamente instável, como uma bola no topo de um monte de areia, e qualquer intervenção externa, mesmo muito fraca, é capaz de determinar o destino do sistema.

O primeiro desafio experimental para demonstrar a validade deste mecanismo foi encontrar uma molécula fotossensível, presente no olho do robin, capaz de gerar o par de radicais. As evidências atuais apontam para uma proteína denominada cryptochrome que opera na região da luz azul, considerada essencial para o funcionamento do sistema de navegação das aves. Em um importante artigo [3], pesquisadores da Universidade de Oxford e colaboradores mostraram in vitro que uma cryptochrome presente na planta Arabidopsis thaliana produz por fotoindução pares de radicais sensíveis a campos magnéticos fracos. O artigo é uma espécie de prova indireta do princípio de funcionamento da bússola quântica. Outro experimento chave foi realizado por Ritz e colaboradores [4]. Eles aplicaram campos magnéticos oscilantes em robins presos em gaiolas e observaram que a capacidade de orientação magnética dos pássaros essencialmente desaparecia na frequência de 1.3 MHz, que corresponde aproximadamente ao valor da frequência das oscilações quânticas de pares de radicais de cryptochromes submetidas ao campo da Terra na região do laboratório. Finalmente, em um recente artigo [5] Hiscock e colaboradores mostraram por simulações computacionais a presença de um efeito puramente quântico, um pico na sensitividade da bússola devido à evitação de cruzamentos dos níveis quânticos do sistema ao longo da dinâmica. Este pico seria essencial para explicar a incrível precisão, da ordem de 5°, com que as aves detectam os eixos das linhas do campo magnético terrestre.

Além do valor acadêmico no contexto do emergente campo da biologia quântica, o entendimento do mecanismo quântico de funcionamento do sistema de navegação das aves migratórias pode ter também impacto nas tecnologias quânticas de informação e computação. Os pares de radicais fotoinduzidos no olho do robin estão, além de acoplados, também quanticamente entrelaçados (ou emaranhados) e resistem à ação deletéria do ambiente por pelo menos um microssegundo, o que é mais que suficiente para muitos protocolos de computação quântica. Entender a forma como a natureza controla a decoerência de sistemas quânticos acoplados a um ambiente térmico usando recursos biológicos pode ser essencial para importantes avanços tecnológicos em sistemas quânticos artificiais.

[1] Crédito da Imagem: Mr.TinDC (Flickr) / Creative Commons (CC BY-ND 2.0). https://www.flickr.com/photos/mr_t_in_dc/5524179015.

[2] P Hore. The Quantum Robin. Navigation News. http://hore.chem.ox.ac.uk/PDFs/The_Quantum_Robin.pdf. Publicado em outubro (2011).

[3] K Maeda et al. Magnetically sensitive light-induced reactions in cryptochrome are consistent with its proposed role as a magnetoreceptor. PNAS  109, 4774 (2012).

[4] T Ritz et al. Magnetic compass of birds is based on a molecule with optimal directional sensitivity.  Biophysical Journal 96, 3451 (2009).

[5] HG Hiscock et al. The quantum needle of avian magnetic compass.  PNAS  113, 4634 (2016).

Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. O olho quântico do robin. Saense. http://www.saense.com.br/2018/01/o-olho-quantico-do-robin/. Publicado em 12 de janeiro (2018).

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