ESO
28/02/2018

Com o auxílio do instrumento MUSE do ESO, montado no Very Large Telescope no Chile, astrônomos descobriram uma estrela no aglomerado NGC 3201 comportando-se de forma muito estranha. A estrela parece orbitar um buraco negro invisível com cerca de quatro vezes a massa do Sol — o primeiro buraco negro inativo de massa estelar a ser encontrado num aglomerado globular e o primeiro descoberto diretamente através da detecção do seu efeito gravitacional. Esta importante descoberta tem um forte impacto na nossa compreensão da formação destes aglomerados estelares, buracos negros e origem de eventos de ondas gravitacionais.

Os aglomerados estelares globulares são enormes esferas de dezenas de milhares de estrelas que orbitam a maioria das galáxias. Estes objetos encontram-se entre os sistemas estelares mais velhos conhecidos no Universo, datando do início da formação e evolução galáctica. Atualmente, conhecem-se mais de 150 destes aglomerados pertencentes à Via Láctea.

Um deles em particular, chamado NGC 3201 e situado na constelação austral da Vela, foi agora estudado com o auxílio do instrumento MUSE, montado no Very Large Telescope do ESO no Chile. Uma equipe internacional de astrônomos descobriu que uma das estrelas [1] de NGC 3201 se comporta de modo muito estranho — está sendo lançada para trás e para a frente com uma velocidade de várias centenas de milhares de km por hora, num ciclo que se repete a cada 167 dias [2].

O autor principal Benjamin Giesers (Georg-August-Universität Göttingen, Alemanha) ficou intrigado com este comportamento: “A estrela estava orbitando algo completamente invisível, com uma massa de mais de quatro vezes a massa do Sol — ou seja, só podia ser um buraco negro! O primeiro encontrado num aglomerado globular por observação direta do seu efeito gravitacional.

A relação entre buracos negros e aglomerados globulares é importante, mas misteriosa. Devido à sua grande massa e idade elevada, pensa-se que estes aglomerados deram origem a um elevado número de buracos negros estelares — formados quando estrelas massivas em seu interior explodiram e colapsaram ao longo da longa vida do aglomerado [3] [4].

O instrumento MUSE do ESO deu aos astrônomos a capacidade única de medir os movimentos de milhares de estrelas distantes simultaneamente. Deste modo, a equipe conseguiu detectar pela primeira vez um buraco negro inativo no coração de um aglomerado globular — ou seja, um buraco negro que não está atualmente “engolindo” matéria e não se encontra rodeado por um disco brilhante de gás. A equipe conseguiu estimar a massa do buraco negro a partir dos movimentos da estrela que se encontra sobre a influência da sua enorme atração gravitacional [5].

Através das propriedades observadas, determinou-se que a estrela tem cerca de 0,8 vezes a massa do nosso Sol e calculou-se que a massa do seu misterioso companheiro é cerca de 4,36 vezes a massa solar — o que faz dele quase com certeza um buraco negro [6].

Detecções recentes de fontes rádio e raios X em aglomerados globulares, assim como a detecção de 2016 de sinais de ondas gravitacionais produzidas pela fusão de dois buracos negros de massa estelar, sugerem que estes buracos negros relativamente pequenos podem ser mais comuns em aglomerados globulares do que o que se pensava anteriormente.

Giesers conclui: “Até há pouco tempo, assumia-se que quase todos os buracos negros desapareceriam dos aglomerados globulares após um curto período e que sistemas como este não deveriam sequer existir. Mas este não é, claramente, o caso — a nossa descoberta é a primeira detecção direta dos efeitos gravitacionais de um buraco negro de massa estelar num aglomerado globular. Esta descoberta ajuda-nos a compreender melhor a formação dos aglomerados globulares e a evolução de buracos negros e sistemas binários — aspectos vitais para a compreensão das fontes de ondas gravitacionais.” [7] [8]

[1] A estrela descoberta está na fase final da sequência principal. Tendo queimado já todo o seu hidrogênio em seu centro, está agora a caminho de se tornar uma gigante vermelha.

[2] Está sendo realizado atualmente um grande rastreio de 25 aglomerados globulares situados em torno da Via Láctea, com o instrumento MUSE do ESO e com o apoio do consórcio MUSE. Este rastreio dará aos astrônomos espectros de 600 a 27 000 estrelas em cada aglomerado. O estudo inclui a análise da “velocidade radial” de estrelas individuais — a velocidade à qual estes objetos se aproximam ou afastam da Terra, segundo a linha de visão do observador. Com medições de velocidades radiais, é possível determinar as órbitas das estrelas, assim como as propriedades de qualquer objeto massivo que estas estejam a orbitar.

[3] Na ausência de formação estelar contínua, como é o caso dos aglomerados globulares, os buracos negros de massa estelar tornam-se rapidamente os objetos mais massivos presentes. Geralmente, os buracos negros estelares em aglomerados globulares são cerca de quatro vezes mais massivos que as estrelas de baixa massa que os rodeiam. Teorias recentes concluíram que os buracos negros formam um núcleo denso no centro do aglomerado, o qual se separa depois do resto do material globular. Pensa-se por isso que movimentos no centro do aglomerado ejetem a maioria dos buracos negros, o que significa que apenas alguns sobrevivem após um bilhão de anos.

[4] Os buracos negros estelares formam-se quando estrelas massivas morrem, colapsando sob a sua própria gravidade e explodindo sob a forma de poderosas hipernovas. Para trás fica um buraco negro com a maior parte da massa da estrela original, a qual pode variar entre algumas massas solares e várias dezenas de vezes a massa do Sol.

[5] Como a luz não consegue escapar dos buracos negros devido à enorme gravidade destes objetos, o método principal de detecção de buracos negros é através de observações de ondas de rádio e raios X emitida pelo material quente que os rodeia. No entanto, quando um buraco negro não se encontra a interagir com matéria quente e portanto não acumula massa ou emite radiação, encontra-se inativo e invisível, sendo por isso necessário aplicar outro método de detecção.

[6] Uma vez que o objeto não luminoso neste sistema binário não pode ser observado diretamente, existem explicações alternativas, se bem que menos plausíveis, para o que poderá ser. Por exemplo, poderia talvez ser um sistema estelar triplo composto de duas estrelas de nêutrons fortemente ligadas, com a estrela observada orbitando em torno destas. Este cenário requereria que cada uma das estrelas fortemente ligadas tivesse pelo menos duas vezes a massa do Sol, um sistema binário que nunca foi observado até agora.

[7] Este trabalho foi descrito no artigo: B Giesers et al. A detached stellar-mass black hole candidate in the globular cluster NGC 3201. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 10.1093/mnrasl/slx203 (2018).

[8] Esta notícia científica foi traduzida por Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Gustavo Rojas.

Como citar esta notícia científica: ESO. Comportamento estranho de estrela revela buraco negro solitário em aglomerado estelar gigante. Tradução de Margarida Serote e Gustavo Rojas. Saense. http://www.saense.com.br/2018/02/comportamento-estranho-de-estrela-revela-buraco-negro-solitario-em-aglomerado-estelar-gigante/. Publicado em 28 de fevereiro (2018).

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