Adolfo Melo
30/03/2018

Circuitos eletrônicos podem simular sinapses de cérebros biológicos. [1]
Vivemos em uma era na qual conseguimos imitar os seres vivos artificialmente, seja através de desenvolvimento de materiais biocompatíveis, ou na utilização de rins mecânicos como na hemodiálise, ou mesmo na forma como as máquinas estão sendo programadas (cito aqui três excelentes artigos: AM Macedo [2], H Macedo [3] e G Cortês [4]). Porém, atualmente as máquinas estão sendo desenvolvidas de forma a coletar inúmeros dados do seu próprio uso e assim conseguem entregar resultados mais precisos e que satisfazem aos inúmeros gostos dos exigentes usuários. Entendendo isso um pouco melhor, podemos dizer que as máquinas conseguem se adaptar à forma de uso, moldando-se aos costumes dos usuários e assim dizemos que elas podem literalmente aprender.

Olhando mais atentamente para a forma como as máquinas estão sendo evoluídas e aprendendo, um detalhe tem chamado muito a atenção dos cientistas, um dispositivo eletrônico chamado “memristor” (memristor é uma junção dos termos memória e resistor). Este elemento foi descoberto em 1971 por Leon Chua [5], mas só recentemente tem sido amplamente estudado em pesquisas experimentais. O memristor é simplesmente um dispositivo eletrônico passivo, assim como os famosos resistores, capacitores e indutores. Porém, ele (o memristor) possui uma característica intrigantemente interessante, sua resistência elétrica depende de sua história de vida, algo muito semelhante ocorre nas sinapses em nosso cérebro [5].

Sinapse para quem não se lembra é uma região de comunicação entre dois neurônios. Quando um sinal elétrico proveniente de um neurônio chega no botão sináptico, a informação (sinal) precisa ser transmitida ao próximo neurônio, e para isso neurotransmissores são liberados e “ativam” o próximo botão sináptico e assim o sinal é transmitido pelo próximo neurônio. A questão é a seguinte: se a distância entre o botão pré-sináptico e o botão pós-sináptico for suficientemente grande, uma maior intensidade do sinal será necessária para a informação ser transmitida (maior a resistência elétrica entre eles), porém com o uso dessa sinapse específica, a distância será gradualmente diminuída, e assim menos intenso precisa ser o sinal para ser transmitido (a resistência elétrica é gradualmente diminuída). Não irei neste artigo adentrar (ainda mais) nos detalhes neurológicos dos processos de aprendizagem, mas imagine olhar pela primeira vez para um vaso arqueológico. Nesse seu primeiro contato com o vaso, um conjunto de sinais elétricos vão percorrer e ser distribuídos por caminhos feitos por neurônios, como é sua primeira vez, alguns neurônios novos serão conectados para, além de se integrar a neurônios associados aos já conhecidos vasos, formar a nova memória de “vaso arqueológico”. No entanto, se você nunca mais ver o vaso em questão, ou não exercitar sua memória associada a ele, as conexões neuronais podem se desfazer e você nunca mais vai lembrar dele. Por outro lado, com o exercício frequente, a memória do vaso poderá ficar eternamente gravada.

Voltando ao memristor, este dispositivo possui resistência elétrica variável que depende da história de aplicação de tensão elétrica nele [6] [7]. Inicialmente possui alta resistência elétrica (OFF) e com aplicações de pequenas tensões ao longo do tempo, sua resistência será gradualmente diminuída até alcançar um valor mínimo (ON). Ao inverter a polaridade da tensão, sua resistência será aumentada gradualmente até alcançar novamente o estado OFF. Tal desempenho é conhecido na comunidade científica por comportamento neuromórfico, uma vez que quanto mais sinais elétricos forem transmitidos menor será a resistência e então, podemos dizer que o dispositivo se adapta ao uso, semelhante ao que ocorre nas sinapses.

Esse comportamento só é possível graças à sua construção em forma de filmes finos crescidos em camadas de metal/isolante/metal com espessuras em nanômetros (vide referências [8] e [9]). Ao aplicar uma tensão elétrica, migrações de íons na camada do isolante resultam em um desbalanço de cargas que podem deixar o material mais condutor, e ao inverter a polaridade da tensão os íons que migraram podem retornar às suas regiões iniciais e assim o material volta a ser isolante novamente. Um exemplo prático foi observado por Jo e parceiros na Nano Letters (2010) [7] na qual memristors de metal/Si+Ag/Si/metal comportaram-se neuromorficamente através de migrações de Ag pela camada do Si deixando-o condutor.

As potencialidades dos memristors podem ser observadas em uma possível construção de inúmeros memristors em paralelo interconectados entre si (crossbar), em que neste caso podemos ter um conjunto de informações que podem ser transmitidas preferencialmente por um caminho de memristors que já se tornaram mais condutores que outros. Contudo, informações novas, provenientes de outras regiões de entrada de sinal, podem percorrer outros caminhos e ativar novos memristors. Uma diferença da máquina e do organismo vivo pode ser percebida que para apagar a informação gravada, uma tensão elétrica de polaridade oposta se faz necessária nas máquinas, mas no cérebro o processo de apagar memórias é bem mais complexo. Outra potencialidade pode ser a associação dos memristors com a arquitetura de processadores e HDs, onde as regiões mais utilizadas pelo usuário serão mais facilmente acessadas pelo diverso histórico de uso.

[1] Crédito da Imagem: Seanbatty (Pixabay) / CC0 Creative Commons. https://pixabay.com/pt/intelig%C3%AAncia-artificial-ai-rob%C3%B4-2228610/.

[2] Antônio Murilo Macedo. Tomografia quântica com redes neurais. Saense. http://www.saense.com.br/2018/03/tomografia-quantica-com-redes-neurais/. Publicado em 11 de março (2018).

[3] Hendrik Macedo. A IA já pode nos fazer ganhar com apostas esportivas? Saense. http://www.saense.com.br/2018/01/a-ia-ja-pode-nos-fazer-ganhar-com-apostas-esportivas/. Publicado em 29 de janeiro (2018).

[4] Gerson Cortês. Enfim chegamos a era onde os computadores jogam xadrez melhor que eles mesmos! Saense. http://www.saense.com.br/2018/01/enfim-chegamos-a-era-onde-os-computadores-jogam-xadrez-melhor-que-eles-mesmos/. Publicado em 03 de janeiro (2018).

[5] LO Chua. Memristor – The missing circuit elemento. IEEE Transactions on Circuit Theory 10.1109/TCT.1971.1083337 (1971).

[6] JJ Yang et al. Memristive devices for computing. Nature Nanotechnologies 10.1038/nnano.2012.240 (2013).

[7] SH Jo et al. Nanoscale memristors device as synapse in neuromorphic systems. Nano Letters 10.1021/nl904092h (2010).

[8] Adolfo Melo. Sputtering: uma técnica para produção de nanotecnologia. Saense. http://www.saense.com.br/2017/12/sputtering-uma-tecnica-para-producao-de-nanotecnologia/. Publicado em 28 de dezembro (2017).

[9] Adolfo Melo. Nanotecnologia de filmes finos em HDs, smartphones e TVs. Saense. http://www.saense.com.br/2018/02/nanotecnologia-de-filmes-finos-em-hds-smartphones-e-tvs/. Publicado em 06 de fevereiro (2018).

Como citar este artigo: Adolfo Melo. As máquinas podem ter sinapses eletrônicas. Saense. http://www.saense.com.br/2018/03/as-maquinas-podem-ter-sinapses-eletronicas/. Publicado em 30 de março (2018).

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