Paulo Campos
23/05/2018

A natureza e a busca incessante pelos picos de adaptação. [1]
O Processo evolutivo é determinado por uma combinação de diferentes mecanismos evolutivos. Temos a ação de forças evolutivas que imprimem um caráter determinístico ao processo, tais como a seleção natural (sobrevivência do mais apto), e a chance que surge em diferentes formas e que traz um caráter de imprevisibilidade para a trajetória evolutiva em populações naturais. A aleatoriedade do processo surge em várias etapas do ciclo evolutivo de uma população: quando e em que indivíduo uma mutação ocorre, e se este mutante sobrevive a perda estocástica durante a reprodução, um processo conhecido como deriva genética.

Sewall Wright criou a metáfora de uma escalada para a evolução Darwiniana [2]. O conceito de relevo de adaptação proposto por Wright é um dos conceitos mais importantes na biologia evolucionária [3]. O relevo de adaptação é uma forma de visualizar a relação entre genótipo e sucesso reprodutivo (adaptação). Em geral, o conjunto de genótipos é organizado de tal forma que um genótipo é conectado a outro quando um pode surgir do outro por meio de eventos de mutação. Desta forma, a evolução pode ser vista como caminhadas e o aumento da adaptação como escaladas para picos mais elevados deste relevo. Apesar de seu apelo intuitivo para o estudo da evolução, o impacto do conceito de relevos de adaptação na biologia evolucionária foi limitado, devido à ausência de dados empíricos sobre a topografia de relevos de adaptação reais. Contudo, esta situação tem mudado nos últimos anos em face dos desenvolvimentos recentes na biologia evolucionária experimental [4].

Devido à alta dimensionalidade dos relevos reais, uma forma encontrada de se construir tais relevos envolve a análise sistemática de todas as possíveis combinações de um pequeno, pré-definido conjunto de mutações. Este é, por exemplo, o método utilizado para estudar o relevo de adaptação associado ao alelo denominado β-lactamases, responsável pela produção de enzimas que aumentam a resistência de bactérias a alguns tipos de antibióticos importantes [5].

Além do conhecimento topográfico sobre os relevos, esses trabalhos desenvolvidos em laboratório têm demonstrado que a evolução é muito mais previsível e reprodutível que o esperado. Por exemplo, no experimento realizado por Weinreich e Colaboradores [5], das 120 possíveis trajetórias acessíveis à população, apenas 18 destas foram acessadas, sendo uma delas utilizada em mais da metade das caminhadas independentes efetuadas.

Neste âmbito, o próximo passo é buscar um maior entendimento sobre como as propriedades topográficas dos relevos e os mecanismos evolucionários de forma conjunta podem determinar o grau de repetibilidade das trajetórias evolutivas acessíveis às populações naturais. Neste ponto, estudos teóricos que abordem relevos de adaptação com propriedades topográficas ajustáveis podem fornecer a ferramenta adequada para um entendimento maior desta questão. Um bom candidato como modelo para relevos de adaptação no âmbito teórico é o modelo NK, proposto por Stuart Kauffman [6]. Neste modelo, o grau de rugosidade, que está associado ao número de máximos e mínimos locais, é completamente ajustável. Além disto, a abordagem teórica nos permitirá trabalhar em dimensionalidades ainda maiores que aquelas obtidas via técnicas experimentais.

O estudo da previsibilidade e repetibilidade em evolução nos ajudará a compreender melhor não apenas os processos evolutivos, mas também a natureza dos processos de otimização (a busca pela solução ótima) em um contexto bem mais amplo, com aplicações na biologia, física, química e principalmente em problemas de engenharia.

[1] Crédito da Imagem: Simon Matzinger (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0).
https://www.flickr.com/photos/simonmatzinger/10885131355/.

[2] S Wright. Evolution in Mendelian Populations. Genetics 16, 97 (1931).

[3] DM McCandlish. Visualizing fitness landscapes. Evolution 10.1111/j.1558-5646.2011.01236.x (2011).

[4] JAGM de Visser & J Krug. Empirical fitness landscapes and the predictability of evolution. Nature Reviews Genetics 10.1038/nrg3744 (2014).

[5] DM Weinreich et al. Darwinian evolution can follow only very few mutational paths to fitter proteins. Science 10.1126/science.1123539 (2006).

[6] SA Kauffman & SA Levin. Towards a general theory of adaptive walks on rugged landscapes. Journal of theoretical Biology 10.1016/S0022-5193(87)80029-2 (1987).

Como citar este artigo: Paulo Campos. Previsibilidade em evolução. Saense. http://saense.com.br/2018/05/previsibilidade-em-evolucao/. Publicado em 23 de maio (2018).

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