Agência FAPESP
19/09/2018

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Já utilizados na agricultura e em cosméticos, os minerais da argila também podem ser aplicados em medicamentos, como anti-inflamatórios e quimioterápicos, para melhorar seus efeitos.

Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e da Universidade de Franca (Unifran) desenvolveram um novo material, à base de argila e de um polímero. A estrutura permite carregar e liberar fármacos de forma lenta e gradual. Dessa maneira, possibilita controlar a absorção de medicamentos pelo organismo e evitar oscilações da concentração na corrente sanguínea.

O novo material foi desenvolvido no âmbito do INCT de Tecnologias Ecoeficientes Avançadas em Produtos Cimentícios – um dos INCTs financiados pela FAPESP em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo. O processo de obtenção da estrutura foi descrito em artigo publicado na revista Applied Materials & Interfaces, da American Chemical Society.

“Combinamos uma argila comercial, chamada montmorilonita sódica, com um gel polimérico em escala nanométrica [da bilionésima parte do metro]. Com isso, conseguimos obter um material que possibilita liberar uma medicação paulatinamente, nas doses e taxas mais adequadas, mantendo a concentração ideal na corrente sanguínea”, disse Eduardo Molina, professor da Unifran e um dos autores da pesquisa, à Agência FAPESP.

Os pesquisadores incorporaram a montmorilonita sódica em uma matriz flexível e transparente, composta por polióxido de etileno (PEO). Esse material, com características de hidrogel, na forma de uma rede rígida tridimensional, é capaz de absorver volumes elevados de água em seus interstícios, sem se dissolver. Por isso, é considerado um excelente material para liberação controlada de fármacos.

Sozinho, contudo, o hidrogel permite a liberação de um fármaco muito rapidamente. Além disso, pode apresentar um problema, chamado burst release – liberação imediata –, em que uma dose alta de um medicamento é liberada no início e depois mantida a uma determinada taxa. “O hidrogel à base somente de polióxido de etileno não permite obter a liberação lenta e controlada do fármaco”, disse Molina.

Uma vez que a argila é conhecida como um material impermeabilizante, os pesquisadores tiveram a ideia de tentar combiná-la com o hidrogel para verificar se o material poderia se constituir em uma barreira e permitir um controle fino da quantidade de fármaco liberado.

Para testar essa hipótese, diferentes concentrações de montmorilonita sódica foram incorporadas em um hidrogel híbrido orgânico-inorgânico, chamado siloxano-poliéter ou ureasil, por meio de um processo denominado sol-gel.

Esse método de preparo de materiais é baseado em uma série de reações químicas, nas quais ocorre a transformação de um líquido com partículas nanométricas em suspensão – o “sol” – em um gel.

A combinação dos dois materiais – a argila e o hidrogel polimérico – resultou em um nanocompósito no qual foi incorporado diclofenaco sódico durante a preparação do material. O fármaco é um anti-inflamatório, administrável por via oral ou por injeção, bastante utilizado para aliviar o inchaço e a dor gerados, por exemplo, por artrite, reumatismo, lesões musculares, cirurgias ou gota.

As análises das estruturas dos nanocompósitos, feitas por meio de diferentes técnicas de caracterização, revelaram que era possível distinguir claramente o hidrogel polimérico, a argila e o fármaco nos materiais.

Em testes de desempenho do material na liberação do diclofenaco, feitos em laboratório, em recipientes que simulam as condições biológicas, constatou-se que a argila foi essencial para controlar a forma como o fármaco era liberado.

Ao ajustar a porcentagem de argila usada na preparação dos nanocompósitos, foi possível evitar que uma dose grande de diclofenaco sódico fosse liberada no início, e que a liberação posterior ocorresse de forma pausada e a uma taxa constante e previsível.

“Conseguimos obter um efeito, chamado difusão de barreira, que permitiu controlar a quantidade de fármaco liberada de acordo com o tempo”, explicou Molina.

Lamelas nanométricas

Os pesquisadores constataram que, dependendo da quantidade de montmorilonita sódica incorporada no hidrogel, a argila assume a forma de lamelas nanométricas homogeneamente dispersas no material. Essas lamelas nanométricas de argila atuaram como uma barreira física à passagem das moléculas de água e do fármaco pelos canais do hidrogel.

“As lamelas de argila formaram um labirinto no interior do material, que retardou o movimento e imprimiu um determinado ritmo à absorção de água e à liberação do diclofenaco sódico”, afirmou Molina.

Na avaliação dos pesquisadores, o nanocompósito poderia ser usado para revestir comprimidos, por exemplo, e atuar como um sistema de liberação de fármacos para tratamentos prolongados de artrite, enxaqueca e dor pós-cirúrgica, entre outros. [2] [3]

[1] Crédito da imagem: qimono (Pixabay), CC0 Creative Commons.
https://pixabay.com/en/pill-capsule-flying-many-horde-1884777/.

[2] CRN Jesus et al. Highly controlled diffusion drug release from ureasil–poly(ethylene oxide)–Na+–montmorillonite hybrid hydrogel nanocomposites. ACS Appl. Mater Interfaces 10.1021/acsami.8b04559 (2018).

[3] Esta notícia científica foi escrita por Elton Alisson.

Como citar esta notícia científica: Agência FAPESP. Novo material permite a liberação controlada de medicamentos. Texto de Elton Alisson. Saense. http://www.saense.com.br/2018/09/novo-material-permite-a-liberacao-controlada-de-medicamentos/. Publicado em 19 de setembro (2018).

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