Matheus Macedo-Lima
20/01/2016

Louva-deus com um par de mini-óculos-3D. Apenas insetos com esses óculos respondem a estímulos projetados em 2D numa tela, dando um bote. Uma prova de visão estereoscópica em invertebrados. Crédito: Newcastle University.
Louva-deus com um par de mini-óculos-3D. Apenas insetos com esses óculos respondem a estímulos projetados em 2D numa tela, dando um bote. Uma prova de visão estereoscópica em invertebrados. [1]
“Por que diabos alguém colocaria óculos num inseto?”, você pode estar se perguntando. Responderei num instante, mas prometo que o motivo é superinteressante. Vamos ao fato: pesquisadores da Newcastle University no Reino Unido desenvolveram uma técnica para provar que a visão em 3D de louva-deuses depende dos dois olhos (é estereoscópica) [2]. Louva-deuses são predadores bastante rápidos e eficientes, que utilizam informação visual para capturar suas presas (vídeo aqui). Já se suspeitava que esses insetos possuíam visão estereoscópica, mas além de uma prova concreta, faltava uma forma de testar suas propriedades com precisão.

Mas como nossa visão em 3D é formada? O espaçamento entre nossos olhos permite-nos enxergar os objetos a partir de dois ângulos diferentes. Nosso cérebro então calcula a profundidade utilizando a informações advindas da diferença entre as duas imagens (juntamente com aspectos de iluminação e cor). Então, como se faz para representar uma imagem em duas dimensões, como numa tela de cinema, em 3D? Enganando o cérebro com uma ilusão de óptica. A imagem projetada na tela, que sem os óculos aparece “borrada”, é composta de duas imagens com ângulos e tons de cores diferentes (por exemplo, azul e vermelha). Em vez de cores, a tecnologia mais moderna utiliza imagens projetadas com polaridades diferentes. As lentes dos óculos são filtros que excluem uma das imagens (por exemplo, uma lente filtra o vermelho, e a outra o azul), fazendo as cenas de ângulos diferentes serem projetadas uma em cada olho. O resultado nos faz tentar desviar de asteroides colidindo na tela.

Os cientistas utilizaram esse mesmo princípio dos cinemas. Tiveram, porém, que recortar pedacinhos das lentes de óculos-3D e produzir um “filme” que fosse interessante para os insetos. Eles utilizaram uma combinação de dois círculos de cores diferentes (verde e azul) em movimento que, quando vistos pelos louva-deuses com óculos, devem se assemelhar ao corpo de uma mosca varejeira em 3D. O resultado, que pode ser visto nesse vídeo, é a provocação de um ataque pelos insetos munidos de óculos. Portanto, conclui-se que louva-deuses são dotados de visão em 3D, e esta é dependente de informações dos dois olhos.

Afinal, qual a utilidade disso (além de ser legal pra caramba)? O primeiro impacto da pesquisa é evolutivo: os olhos compostos (com múltiplas lentes) dos insetos utilizam informações para calcular a profundidade visual de maneira similar aos olhos “simples” (com uma lente) de vertebrados. Este é um exemplo de convergência evolutiva, em que estruturas que não possuem um ancestral comum adquirem a mesma função ao longo da evolução (a exemplo das nadadeiras de peixes e golfinhos).

O próximo passo é utilizar esse teste para verificar como o cérebro dos insetos, que é imensamente mais simples do que o de vertebrados, processa a informação que vem dos olhos.  O segundo impacto da pesquisa advém da seguinte perspectiva: entender como um cérebro tão simples processa informações em 3D pode revolucionar as tecnologias de detecção de imagens em robôs, porque pode inspirar a confecção de algoritmos computacionais mais simples e eficientes.

[1] Crédito da imagem: Newcastle University. URL: http://www.ncl.ac.uk/press/news/2016/01/3dglassesformantises/.

[2] V Nityananda et al. Insect stereopsis demonstrated using an insect 3D cinema. Scientific Reports 6, 18718 (2016).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Como insetos com mini-óculos-3D podem ser uma importante ferramenta tecnológica? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/01/como-insetos-com-mini-oculos-3d-podem-ser-uma-importante-ferramenta-tecnologica/. Publicado em 20 de janeiro (2016).

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