Claudio Macedo
15/09/2016
Números e quantificadores são palavras abstratas que denotam propriedades de conjuntos. As crianças normalmente exibem conhecimento de números e quantificadores em torno de dois anos de idade; algum tempo após terem adquirido a compreensão de substantivos concretos.
O papel da linguagem na compreensão dos números é muito importante. Por exemplo, existem práticas culturais, tais como a lista de contagem verbal, o recital de palavras para números em uma ordem fixa (um, dois, três, …) e o uso dos dedos ou de outras partes do corpo na contagem, que são amplamente praticadas em vários idiomas. Essas práticas convergem em direção a uma ordem universal de aprendizado dos números: começando com “um” e prosseguindo de acordo com o aumento da cardinalidade. A própria ordem é estável e não afetada por diferenças entre as línguas [2].
O início da compreensão de quantificadores (“nenhum”, “alguns”, “todos”, etc.) pela criança coincide com a da aquisição de palavras numéricas. No entanto, falta compreender a ordem em que eles são adquiridos. É mais difícil imaginar como as crianças aprendem as expressões dos quantificadores, pois o significado e o uso delas ninguém se preocupa em ensinar explicitamente [3].
Pesquisadores de quatro dezenas de importantes instituições de todo o mundo investigaram a ordem em que as crianças de diferentes culturas adquirem um conjunto de quantificadores [2]. No trabalho, os autores chegaram à conclusão surpreendente que em todas as línguas estudadas, as crianças adquirem os quantificadores na mesma ordem, independentemente das propriedades da língua em questão.
O estudo analisou os dados sobre a compreensão dos quantificadores “nenhum”, “alguns”, “todos” e “a maioria” através de testes com 768 crianças de cinco anos de idade. As crianças eram de 31 línguas diferentes, agrupadas em 11 famílias de línguas. O teste consistiu em apresentar às crianças fotos mostrando uma série de imagens em que sempre havia cinco caixas e cinco objetos (cinco maçãs, cinco carros, etc.) dos quais zero, dois, três ou todos os cinco apareciam colocados no interior das caixas. Juntamente com cada foto, a criança ouvia uma frase que continha um quantificador (por exemplo, “todas as maçãs estão em caixas”, “alguns carros estão em caixas”, etc.) e era, então, convidada a dizer se, em cada caso, a sentença que descrevia a imagem era correta.
Os investigadores confirmaram que em todas as linguagens estudadas as crianças identificaram os quantificadores “todos” e “nenhum” mais facilmente do que “alguns” e “a maioria”. Isto sugere que as crianças adquirem quantificadores na mesma ordem baseando-se em fatores relacionados ao significado e uso de cada quantificador. Ou seja, elas adquirem as palavras que se referem à totalidade mais cedo do que aquelas que cobrem apenas uma parte do conjunto [3].
Esse resultado traz uma nova perspectiva para o debate sobre a universalidade das línguas. O fato que em um nível específico, línguas com diferentes propriedades são aprendidas de forma semelhante, confirma a existência de padrões universais no processo de aquisição da linguagem que nem sempre coincidem com os universais linguísticos, segundo a qual as línguas do mundo são classificadas [3].
[1] Crédito da imagem: Moyan Brenn (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/aigle_dore/4898197551/.
[2] N Katsos et al. Cross-linguistic patterns in the acquisition of quantifiers. PNAS 113, 9244 (2016).
[3] University of the Basque Country. Children learn quantifiers in the same order no matter what their language is. URL: http://www.ehu.eus/en/en-content/-/asset_publisher/l57S/content/n_20160913_cuantificadores. Publicado em 13 setembro (2016).
Como citar este artigo: Claudio Macedo. As crianças aprendem quantificadores da mesma forma em diferentes culturas. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/09/as-criancas-aprendem-quantificadores-da-mesma-forma-em-diferentes-culturas/. Publicado em 15 de setembro (2016).