Matheus Macedo-Lima
16/02/2017
Sua vinda é comemorada por algumas mulheres e praguejada por outras, mas o fato é que a menopausa, que sinaliza o fim do ciclo menstrual e da capacidade reprodutiva, causa mudanças drásticas no corpo (e cérebro!) de uma mulher.
Primeiro alguns fatos sobre a menopausa. Sua causa é o fim do número de óvulos que uma mulher pode produzir. Mulheres nascem com um número finito de células precursoras dos óvulos, que são “gastas” uma (ou mais) a cada ciclo menstrual. Por isso, alguns fatores como ooforectomia (remoção cirúrgica de ovários) podem acelerar a menopausa. Seu mecanismo é a ausência da sinalização hormonal iniciada pela estrutura no ovário que secreta o óvulo (chamada de corpo lúteo) no processo de ovulação. O corpo lúteo é uma das principais fontes de estrógenos e progesterona no corpo de uma mulher, e tem efeitos em praticamente todos os órgãos – do cérebro aos músculos. Por esse motivo, as consequências da menopausa são amplas: redução do prazer sexual, da libido, da capacidade cognitiva, da capacidade auditiva, da força muscular, etc. Por outro lado, a ausência da menstruação e das cólicas menstruais devem ser pontos a se comemorar.
Porém, no estudo da evolução, precisamos tentar entender como as características atuais encontradas nos animais foram selecionadas. Afinal, se a menopausa causa tantos malefícios fisiológicos, como ela foi selecionada pela natureza? Estudar outros mamíferos na natureza pode trazer respostas sobre isso. O problema: a existência de menopausa é raríssima no mundo animal. Ela já foi reportada em outras espécies de primatas em cativeiro [2], mas apenas em baleias tem-se certeza de que ela é presente na natureza.
Por esse motivo, um estudo se propôs a estudar a estrutura de populações de baleias-orca na costa oeste dos Estados Unidos e Canadá ao longo de 43 anos [3]. A principal pergunta do estudo foi a seguinte: qual seria o benefício da presença de baleias mais velhas para o baleal (coletivo de baleias)? As orcas vivem em pequenos grupos que não sofrem separação ao longo da vida. O acasalamento acontece quando dois grupos se encontram, e as mães têm filhotes dentro do grupo. Então, os filhotes tendem a conviver tanto no tempo quanto no espaço, o que se chama de conflito reprodutivo, e é possível que filhotes de mães de duas gerações convivam durante a infância.
O estudo reporta que quando fêmeas de idade avançada têm filhotes ao mesmo tempo em que suas filhas (em conflito reprodutivo), a mortalidade dos filhotes da fêmea mais velha chega a ser 1.7 vezes maior. O que indica uma clara desvantagem competitiva para orcas mais velhas. Por outro lado, os filhotes das baleias mais novas quando nascem em conflito reprodutivo sobrevivem mais até mesmo do que os que nascem fora de conflito, o que em muitas instâncias acontece porque a avó do grupo não existe mais. Os autores sugerem que esse efeito pode ser explicado pela hipótese do “efeito da avó” – as fêmeas mais velhas trazem um benefício direto ao grupo, por conta da transmissão de conhecimento e da liderança. Em um artigo anterior publicado pelo mesmo grupo de cientistas, descobriu-se que orcas mais velhas são geralmente as líderes do grupo quando procurando por alimento, principalmente quando há escassez [4].
Esse achado fornece as primeiras evidências quantitativas do mecanismo ecológico que possibilitou a evolução da menopausa. Primeiro, para as orcas mais velhas, ter filhotes é um desperdício de energia maior do que para as mais novas. Segundo, as orcas mais velhas representam um benefício claro para o grupo (efeito da avó) durante a procura por alimento. Esses mecanismos podem ter favorecido o aparecimento da menopausa em mamíferos, que vivem numa sociedade dependente da partilha de recursos, tal qual a de humanos.
Parando para pensar no quanto aprendemos com nossas avós, isso faz bastante sentido, não? [5]
[1] Crédito da imagem: Blane (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/embassyinternational/15129163230/.
[2] ML Walker and JG Herndon. Menopause in nonhuman primates? Biol Reprod 79, 398 (2008).
[3] DP Croft et al. Reproductive Conflict and the Evolution of Menopause in Killer Whales. Curr Biol 27, 298 (2017).
[4] LJN Brent et al. Ecological knowledge, leadership, and the evolution of menopause in killer whales. Curr Biol 25, 746 (2015).
[5] Artigo relacionado: Experiências culturais dirigem a evolução das orcas!
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Por que existe a menopausa? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/02/por-que-existe-a-menopausa/. Publicado em 16 de fevereiro (2017).
Quando uma galinha fica choca é um fenômeno semelhante ao da menopausa? (ou não tem nada a ver?)
Oi Willians,
Essa é uma ótima pergunta!
Menopausa é um termo reservado para mamíferos, por causa das alterações fisiológicas e comportamentais que são consequências da ausência do corpo lúteo secretando progesterona e estrógenos após a ovulação.
Como pássaros não ficam “grávidos”, as alterações hormonais após botar um ovo não são tão drásticas como em mamíferos – mas também ocorrem e parecem influenciar o comportamento de incubar os ovos e cuidar dos filhotes.
O que acontece com as galinhas chocas é, de certa forma, semelhante, mas geralmente não ocorre porque ela botou todos os ovos que podia (apesar de pássaros também apresentarem um número finito de óvulos). O que a ciência sugere é que as galinhas mais velhas passam a produzir menos hormônios estimulantes do ovário (curiosidade: a maioria dos pássaros só tem um ovário funcional). Essa menor produção de hormônios faz com que o ovário se atrofie. Porém, essa atrofia não causa consequências ainda maiores para as galinhas. Até porque um fenômeno parecido acontece quando os dias ficam mais curtos (no inverno) e galinhas férteis colocam menos ovos. Portanto, pensa-se que o processo de envelhecimento não é acelerado pela atrofia do ovário nas galinhas – ou seja, não há menopausa.
Em outros pássaros, isso nem acontece. Ano passado, a albatroz mais velha de que se tem notícia botou um ovo! Com 66 anos, ela já passa em 36 anos a expectativa média de um albatroz.
Obrigado pelo comentário!
Que legal muito agradecido pela resposta, eu tenho uma memória afetiva de meus avós falando a frase “tirar o choco da galinha”. Deixo meus parabéns para a mamãe albatroz.