Matheus Macedo-Lima
13/05/2017
Pense num assunto polêmico! Tem gente que diz que faz mal, que é “porta de entrada” para outras drogas, que vicia… mas também tem gente que diz exatamente o contrário: que faz bem, que é “porta de saída” e que não vicia… Debates sobre esse tipo de tópico são importantes, mas o problema com esse debate em questão é que existe pouco suporte científico. A maconha passou tanto tempo sendo tabu, que hoje a ciência “corre atrás do prejuízo” para responder perguntas sobre seus efeitos.
Vamos rebobinar (voltar a fita, para os mais jovens) um pouco. Por um momento peço que deixemos opiniões pessoais de lado e nos perguntemos: por que a maconha é ilegal?
Após pesquisar um pouco na internet, concluí que parece haver razões históricas e sociais. Nos Estados Unidos, as origens da ilegalidade da maconha têm raízes na imigração mexicana. A “marihuana” era utilizada pelos imigrantes mexicanos para fins recreativos. Tais imigrantes eram (e até hoje são) alvo de discriminação. Por isso, a maconha passou a ser marginalizada e acabou entrando para a lista de substâncias ilícitas no início do século XX. A ironia é que a maconha já era utilizada em vários produtos americanos da época, mas ninguém pareceu se dar conta disso. No Brasil a história é parecida, mas os sujeitos da discriminação foram os escravos africanos. Conclusão: tornar a maconha ilegal foi um modo de legitimar a discriminação. Apenas recentemente nos EUA (100 anos depois!) a maconha foi legalizada para uso recreativo e medicinal em 8 estados e medicinal mas não-recreativo em 29 estados. Por outro lado, nenhum sinal de mudança no Brasil.
Então vamos falar de ciência?
Eis o que sabemos: maconha pode fazer bem ou mal, dependendo da quantidade e do usuário. A tabela abaixo traz alguns efeitos comprovados da maconha através de estudos em humanos [2].
Faz mal:
• para o sistema nervoso em desenvolvimento de fetos, crianças e adolescentes
• para indivíduos com esquizofrenia, psicoses ou transtorno bipolar
Faz bem:
• para o tratamento de náusea quimioterápica
• para o tratamento de dor crônica
• para o alívio dos sintomas de esclerose múltipla
Para estudar os mecanismos biológicos dos efeitos da maconha (sobre os quais sabemos muito pouco), podemos estudar modelos animais. Um estudo recente e promissor sugere mais um item para a lista dos benefícios da maconha. Em camundongos, doses baixas e crônicas de uma das substâncias presentes na maconha, o Δ9-tetraidrocanabinol, ou THC, reverteu o déficit de memória causado pelo envelhecimento [3].
O estudo comparou camundongos jovens, adultos e idosos tratados com uma dose baixa diária de 3 mg/kg de THC. Só por curiosidade, isso é equivalente a cerca de dois cigarros de maconha para humanos, mas tenha em mente que camundongos tem metabolismo muito mais acelerado que humanos. Após 28 dias de tratamento, os animais foram testados num labirinto aquático, no qual se tem que aprender a localização de uma plataforma submersa. Os animais jovens que receberam o THC aprenderam mais lentamente do que os que receberam “placebo”, o que corrobora os relatos de efeitos danosos da maconha em jovens. Por outro lado, os camundongos adultos e idosos tratados com THC aprenderam mais rápido do que os controles! Esses efeitos foram também repetidos em outros dois testes de memória.
Então, os pesquisadores investigaram se o hipocampo (área do cérebro responsável pela formação de memórias) desses camundongos também foi alterado. Eles identificaram que camundongos adultos tratados com THC apresentaram níveis de expressão de proteínas e genes semelhantes aos de camundongos jovens, nos quais o tratamento de THC não afetou essas mesmas proteínas.
Impressionante, não? Mas eles não pararam por aí. Os pesquisadores identificaram que esse efeito do THC se dá por meio de receptores celulares canabinoides tipo 1, ou CB1 (sim, nós também possuímos esse receptor). A ativação dos receptores CB1 causou mudanças epigenéticas, ou seja, mudanças duradouras na regulação da expressão de genes. Para os nerds da genética: houve um aumento da acetilação e redução da metilação de histonas, eventos estes associados ao aumento da expressão de genes.
O estudo sugere que o THC tem efeitos benéficos para a memória em cérebros maduros, contudo tem efeitos deletérios em cérebros em desenvolvimento. Essa hipótese incita o estudo desse efeito em humanos. É importante salientar que, assim como em camundongos e outros animais, nosso organismo também possui o chamado sistema endocanabinoide – não só fabricamos canabinoides “caseiros” como possuímos receptores para tais. Coincidentemente (ou não), sabe-se que esse sistema gradualmente se deteriora com o envelhecimento [4].
Vamos torcer para que ocorram mais estudos desse tipo e que sejam divulgados. Nossos debates e nossas legislações precisam de mais ciência!
[1] Crédito da imagem: Neeta Lind (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/neeta_lind/3326238955/.
[2] Committee on the Health Effects of Marijuana. The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research. National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine (2017).
[3] A Bilkei-Gorzo et al. A chronic low dose of Δ9-tetrahydrocannabinol (THC) restores cognitive function in old mice. Nature Medicine 10.1038/nm.4311 (2017).
[4] VD Marzo et al. Endocannabinoid signalling and the deteriorating brain. Nat Rev Neurosci 16, 30 (2015).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Substância encontrada na maconha previne perda de memória por envelhecimento em camundongos. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/05/substancia-encontrada-na-maconha-previne-perda-de-memoria-por-envelhecimento-em-camundongos/. Publicado em 13 de maio (2017).