Matheus Macedo-Lima
11/10/2017

[1]
O prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina desse ano foi compartilhado pelos cientistas estadunidenses Jeffrey Hall, Michael Rosbash e Michael Young. Eles estudaram intensamente o ritmo biológico de moscas, ao longo de 3 décadas, desvendando os mecanismos celulares e genéticos e os efeitos comportamentais de alterações nesses mecanismos [2].

“E eu com isso”? Bem, acontece que em humanos (e até em plantas) esses mecanismos são muito parecidos. Logo, essa pesquisa é altamente relevante e inspirou estudos que levaram à descoberta dos mesmos mecanismos em outros organismos. Hoje, sabemos que esse relógio biológico influencia praticamente todos os nossos órgãos e o seu desequilíbrio está associado a desajustes hormonais e a doenças psiquiátricas e cardiovasculares [3].

Mas o que é esse relógio biológico?

A forma mais fácil de entende-lo é conhecendo o efeito jet lag. Quando fazemos uma viagem longa e cruzamos alguns fusos-horários, parece que o nosso corpo leva alguns dias, ou até semanas, para reajustar ao novo horário, mesmo dormindo bastante ou tomando bastante café! Isso ocorre porque as células do nosso corpo ficam “sincronizadas” ao ritmo circadiano (cerca de um dia) em que nos encontramos e uma mudança rápida de fusos causa um desajuste de fase entre o ambiente e as nossas células. Então, durante o processo de ajuste, a luz do dia “re-treina” o nosso ritmo com o novo fuso.

Os mais novos nobelistas descobriram proteínas que se acumulam nos neurônios durante a noite e são degradadas durante o dia em moscas-da-fruta, um ciclo que se repete a cada 24h. Eles também mostraram que para conseguir esse ritmo, essas proteínas agem em concerto com outras, num mecanismo de feedback negativo – no qual a produção das proteínas inibe a expressão dos genes que as fabricam, o que reduz a produção delas próprias. Outros grupos completaram essa ideia descobrindo uma proteína que responde à luz e entra nesse ciclo para o “resetar”. Seria, digamos, a proteína responsável por nos recuperar do jet lag. Bem engenhoso né?

Se jet lag já é ruim, imagine ter que passar por esse desajuste muitas vezes em uma semana? Consegue pensar em alguém que passa por isso? Espero que você tenha lembrado do seu profissional de saúde plantonista, porteiro ou guarda-noturno. Essas profissões forçam o desalinhamento do ritmo circadiano em relação ao ambiente. Como consequência, os hormônios que flutuam ao longo do dia (como cortisol e melatonina) se encontram desalinhados e isso afeta profundamente o funcionamento do organismo e do cérebro. O risco de distúrbios do sono (há até um nome formal para a doença: Desordem do Sono do Plantonista; tradução livre de Shift Work Sleep Disorder), doenças cardiovasculares e até problemas reprodutivos são maiores nesses grupos [4].

O prêmio Nobel serve como uma boa lembrança de que a ciência básica (sem visar a aplicações imediatas para a saúde) pode trazer benefícios imensos à humanidade. Infelizmente, hoje em dia, esse tipo de pesquisa anda perdendo prioridade nas agendas governamentais e nas agências e instituições de financiamento. Porém, esses e outros grandes achados tornam óbvio que, para avançar significativamente, a ciência tem de ser abastecida por curiosidade e pela busca de respostas usando métodos e organismos inexplorados.

[1] Crédito da imagem: Katja Schulz (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/treegrow/35532149943/.

[2] Nobelprize.org. The 2017 Nobel Prize in Physiology or Medicine – Press Release. URL: https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/2017/press.html. Publicado em 02 de outubro (2017).

[3] KJ Egan et al. The role of race and ethnicity in sleep, circadian rhythms and cardiovascular health. Sleep Med Rev 33, 70 (2017).

[4] DB Boivin and P Boudreau. Impacts of shift work on sleep and circadian rhythms. Pathol Biol 62, 292 (2014).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Moscas ganham prêmio Nobel. E você com isso? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/10/moscas-ganham-premio-nobel-e-voce-com-isso/. Publicado em 11 de outubro (2017).

Artigos de Matheus Macedo-Lima     Home