Antônio Murilo Macedo
10/11/2017
Na física quântica, partículas elementares, como elétrons e fótons, são idênticas e indistinguíveis. É relativamente fácil entender o que significa duas partículas serem idênticas. Basta olhar para a lista de suas propriedades intrínsecas, como carga, massa, spin, e concluir que se as partículas são idênticas então elas terão os mesmos valores numéricos para essas propriedades. Na geometria, por exemplo, podemos dizer que duas esferas de mesmo raio são idênticas pois possuem os mesmos valores numéricos para todas as propriedades geométricas, como área da superfície, volume, etc.
O conceito de indistinguibilidade, no entanto, é bem mais sutil. Considere a seguinte alegoria. Tonico e Tinoco são gêmeos idênticos e estão em uma fila de banco aguardando atendimento para pagar contas no dia de vencimento. Tonico é o primeiro da fila e Tinoco está logo atrás na segunda posição. O caixa então avisa que o expediente vai fechar e que apenas mais uma pessoa poderá ser atendida. Desesperado com a possibilidade de não ser atendido e ter que pagar multa pelas contas não pagas, Tinoco tenta convencer Tonico a trocar de posição com ele com o argumento de eles são gêmeos não apenas idênticos, mas também “indistinguíveis”. Como Tonico deve responder? Na física clássica a resposta é óbvia. Tonico deve recusar a proposta de troca pois apesar de ser idêntico à Tinoco, eles não são indistinguíveis. Na física quântica, no entanto, Tonico pode aceitar a proposta sem problemas pois sendo indistinguível de Tinoco ele não poderá sofrer consequências diferentes das que Tonico sofrerá, como receber multas por não pagar as contas.
No mundo quântico tridimensional partículas elementares idênticas e indistinguíveis podem ser agrupadas em dois grandes conjuntos: férmions e bósons [2]. Elétrons, por exemplo, são férmions, enquanto fótons são bósons. A principal diferença entre férmions e bósons aparece quando formamos um sistema ideal, ou seja, sem interação direta entre as partículas. Em um sistema ideal férmions são segregadores, isto é, gostam de ficar separados, enquanto bósons são agregadores, ou seja, preferem ficar juntos. Esta tendência (segregar ou agregar) é um tipo especial de correlação quântica que resulta da indistinguibilidade das partículas. A natureza utiliza de forma muito eficaz esta propriedade dos sistemas ideais de partículas indistinguíveis. Por exemplo, bósons são usados como mediadores das forças fundamentais da natureza, pois sua propriedade de agregação permite a formação de um campo espacial coerente, com intensidade essencialmente arbitrária em cada ponto do espaço. A força eletromagnética, por exemplo, é mediada por fótons, que como mencionamos acima, são bósons. Férmions, por outro lado, devido a sua propriedade de segregar são muito bons para formar estruturas com extensão espacial, como átomos e moléculas.
Apesar de bem consolidado do ponto de vista conceitual, a observação direta e o consequente controle desta interação estatística ainda é um grande desafio experimental. Um passo importante nesta direção foi dado em um recente artigo de pesquisadores de universidades da Áustria, Alemanha e Estados Unidos [3]. Os autores apresentaram dois protocolos para medição e controle da fase de troca da função de onda de duas partículas massivas espacialmente separadas. Observar a fase de troca é a maneira mais simples e direta de identificar se duas partículas idênticas são férmions ou bósons, pois ela aparece pela simples troca de posição das duas partículas. A principal dificuldade experimental da realização da troca é que o protocolo deve evitar ao máximo que as duas partículas interajam durante o processo. A ideia básica do esquema proposto é fazer um experimento de interferência com átomos neutros. No protocolo mais simples, dois átomos idênticos, estão, no início, espacialmente separados em uma rede, de modo que suas funções de onda não têm regiões de superposição. Em seguida, é feita uma mudança nos potenciais de confinamento, de modo que a função de onda coletiva das duas partículas é dividida em duas partes e enviadas a braços distintos de um interferômetro. Em apenas um dos braços, uma delicada operação de troca é efetuada, de modo a evitar ao máximo que as partículas sofram interação direta. No outro braço, é introduzida apenas uma fase de controle induzida por um potencial. Depois disto, as duas partes da função de onda são recombinadas, e os padrões de interferência observados em função da fase de controle permitem, em princípio, a extração do valor da fase de troca.
Os autores sugerem um interessante conjunto de aplicações para o protocolo proposto no contexto de informação quântica e computação quântica. Por exemplo, os dois átomos poderiam ser emaranhados à distância, rodando o protocolo duas vezes com um certo intervalo de tempo entre eles. Emaranhamento é um tipo importante de correlação quântica usada como recurso em vários protocolos. A porta de troca da computação quântica também poderia ser implementada por este protocolo e usada para o processamento de informação quântica. Uma aplicação mais ambiciosa seria usar pares de íons moleculares em vez de pares de átomos no processo de troca. Apesar das previsíveis dificuldades técnicas que aparecem na implementação de protocolos quânticos, esta proposta parece estar perfeitamente dentro do alcance atual da tecnologia de informação quântica, e podemos esperar interessantes avanços no curto e médio prazo.
[1] Crédito da Imagem: Tatiana T (Flickr) / Creative Commos (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/149812394@N07/34612940750.
[2] Em um espaço bidimensional existem outras possibilidades, como anyons; ver, por exemplo, A M Macedo, Anyons e a Exótica Planolândia, http://www.saense.com.br/2017/06/anyons-e-a-exotica-planolandia. Publicado em 09 de Junho (2017).
[3] CF Roos et al. Revealing Quantum Statistics with a Pair of Distant Atoms. Phys Rev Lett 119 160401 (2017).
Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. Medindo e controlando estatística quântica. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/11/medindo-e-controlando-estatistica-quantica/. Publicado em 10 de novembro (2017).