Matheus Macedo-Lima
24/04/2019

Quem já passou por anestesia geral fala que é surpreendente. Parece uma viagem ao futuro. A pessoa tem lembranças de estar alerta e ansiosa antes da cirurgia. Daí … pós-operatório.
Dependendo da quantidade e tipo de anestésico, a sensação pode não ser muito diferente de acordar de um sono profundo. Mas há algumas diferenças óbvias. A incapacidade de despertar com (ou sentir) eventos dolorosos durante a anestesia é a mais evidente. Há também diferenças no padrão de ondas cerebrais e nos estágios do sono. Cientistas definem anestesia geral como “uma condição não-fisiológica e induzida por drogas criada para que terapias médicas e cirúrgicas possam ser providas com segurança e ética”. É como se fosse um “estado de coma reversível” [2].
Mas será que não há nenhuma semelhança e os relatos de que “parece com acordar de uma soneca” são só impressão? Cientistas na universidade de Duke, Carolina do Norte (EUA) resolveram investigar essa coincidência [3].
Spoiler: há neurônios responsáveis por induzir a anestesia e os mesmos também induzem sono!
Em camundongos, os pesquisadores identificaram neurônios que se tornavam ativos quando o anestésico isoflurano era dado aos animais em um núcleo do hipotálamo – para os nerds, o núcleo supraóptico. O interessante é que esses neurônios se ativavam poucos segundos antes dos animais se tornarem inconscientes, o que sugere que tais neurônios são responsáveis por iniciar o processo de anestesia.
Então, utilizando técnicas avançadas com vírus modificados e lasers, os pesquisadores descobriram que os neurônios ativados durante a anestesia fabricavam vários hormônios, os quais já sabíamos estar envolvidos nos mecanismos do sono (por exemplo, peptídeo antidiurético, dinorfina e galanina).
Os pesquisadores verificaram que os mesmos neurônios ativados por isoflurano, também se tornavam bastante ativos quando os camundongos recebiam outros agentes anestésicos e quando eles eram proibidos de dormir. Incrível, não?
Só para ter 100% de certeza, os cientistas foram lá e estimularam esses neurônios em animais acordados. O resultado? Eles caíram no sono! A recíproca também foi verdadeira: inibir esses neurônios faz com que os animais passem mais tempo acordados.
Esse estudo descreve que neurônios que fabricam hormônios no hipotálamo estão na interseção entre os mecanismos de sono e a ação de anestésicos. Os anestésicos “forçam” esses neurônios que iniciam o sono a ficarem ativos, mesmo quando o cérebro não está cansado. As diferenças entre anestesia e sono podem ser explicadas pelo que acontece em outras áreas do cérebro, mas os neurônios que iniciam ambos parecem ser os mesmos. Os cientistas sugerem que estudos futuros estudem os efeitos individuais dos hormônios fabricados por esses neurônios nos mecanismos de sono e de anestesia, o que pode ser muito importante para o desenvolvimento de anestésicos mais eficientes.
[1] Crédito da imagem: U.S. Navy photo by Capt. Jaime A. Quejada, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18091937.
[2] E. N. Brown, P. L. Purdon, and C. J. Van Dort, “General Anesthesia and Altered States of Arousal: A Systems Neuroscience Analysis,” Annu. Rev. Neurosci., vol. 34, no. 1, pp. 601–628, 2011.
[3] L.-F. Jiang-Xie et al. “A Common Neuroendocrine Substrate for Diverse General Anesthetics and Sleep,” Neuron, pp. 1–13, 2019.
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Qual a diferença entre sono e anestesia geral? Saense. https://saense.com.br/2019/04/qual-a-diferenca-entre-sono-e-anestesia-geral/. Publicado em 24 de abril (2019).