UnB
27/02/2020

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Ana Maria Vasconcelos, Leides Moura, Sérgio Jatobá, Aldo Paviani

Brasília foi criada sob o ideário imagético de ser uma cidade única. Seu projeto urbanístico aspirava a refletir a imagem simbólica de um novo país. A modernidade que o presidente Juscelino Kubitschek desejava imprimir ao país seria visualizada por intermédio de uma cidade inspiradora para as cidades e regiões brasileiras. A interiorização da capital foi o coroamento do seu ousado plano de desenvolvimento e integração do país. Da mesma forma, o plano piloto, de Lucio Costa, deveria traduzir a ideia de uma Brasília integrada, social e espacialmente.

Porém, a absorção de uma população de trabalhadores, não prevista ou planejada para ser parte da população residente na capital do país, ensejou a criação de múltiplos núcleos urbanos dispersos no território do DF ainda antes de sua inauguração. A Brasília modernista do Plano Piloto permaneceu única pela singularidade do seu projeto, que mereceu o título de patrimônio urbanístico tombado, mas não era una.

As cidades-satélites, como idealizadas por Lucio Costa, deveriam surgir somente após a saturação populacional do núcleo central e gravitar em torno dele, com relativa autonomia, seguindo o modelo das New Towns inglesas. As vantagens desse tipo de polinucleamento seriam a de uma cidade não conurbada, que preservaria áreas de interesse ambiental e núcleos de produção rural entremeados entre os diversos centros urbanos com crescimento populacional controlado. Mas na realidade urbana brasileira, marcada pelas sistêmicas desigualdades na estrutura social e econômica em contraste com a heterogeneidade encontrada na rede urbana europeia, prevalecia a macrocefalia urbana gerando áreas metropolitanas atrativas de fluxos migratórios.

Brasília não fugiu à regra e o polinucleamento, que deveria ser vantajoso, transformou as cidades-satélites em cidades dormitórios de uma rede urbana dispersa que concentrou os empregos no Plano Piloto e a população mais pobre na periferia. Na atualidade, a Brasília inicial do Plano Piloto se fragmentou na Brasília multifacetada de todo o DF e se expandiu para fora dos seus limites, abrangendo municípios do vizinho estado de Goiás.

O espraiamento da mancha urbana da Área Metropolitana de Brasília (AMB) e a segregação socioespacial sobreposta impõem custos altos para a mobilidade, as atividades de comércio e de serviços, a alocação de infraestrutura e o meio ambiente, com prejuízos para toda a sociedade, mas principalmente para os mais pobres. Em contrapartida, começa a se notar uma maior autonomia das cidades do DF, que mesmo incompleta, permitiu o fortalecimento das identidades locais e do sentimento de pertencimento.

Se a integração não se cumpriu como idealizada, é possível que a cidade, que não é uma só, se fortaleça numa trama densa a partir da sua diversidade? Será mantida uma dinâmica de ruptura social e crescimento das desigualdades territoriais em todas as escalas mantendo processos sistêmicos de negação de direitos e iniquidade no desenvolvimento regional?

Agreguem-se a essas questões os desafios de uma sociedade em transformação. Idealizada e construída entre as décadas de 1950 e 1960, quando dos maiores índices de crescimento demográfico do país, sendo a população brasileira extremamente jovem, as famílias numerosas, uma baixa participação feminina no mercado de trabalho, altos índices de analfabetismo, o modelo de cidade modernista projetada para o “deleite intelectual” hoje não faz parte do cotidiano da maioria de seus habitantes.

O espraiamento da população no território construiu diferentes possibilidades de trajetórias de vida: na mesma metrópole, as porções do território proporcionam tempos e qualidades de vida diferentes para os seus moradores. Em tempos de grandes incertezas, tem-se como certa a conquista societária do envelhecimento de toda a população da AMB que apresenta potencialidades e desafios.

Na intenção de analisar e refletir sobre essas questões, a obra Território e Sociedade: as múltiplas faces da Brasília metropolitana foi publicada pela Editora UnB e abrange questões sobre desenvolvimento, economia, governança, política, patrimônio, cultura, vulnerabilidades e impactos dos marcadores de desigualdades ao longo do curso de vida dos grupos populacionais da cidade. O livro está organizado em quatro unidades: 1) Desenvolvimento e integração metropolitana; 2) Metropolização e governança, 3) Patrimônio, cultura e território e 4) O curso da vida e as desigualdades na metrópole. [1]

[1] Foto: Patrik Tschudin, Flickr, CC BY 2.0.

Como citar este artigo: UnB. Território e Sociedade: as múltiplas faces da Brasília metropolitana. Texto de Ana Maria Vasconcelos et alSaense. https://saense.com.br/2020/02/territorio-e-sociedade-as-multiplas-faces-da-brasilia-metropolitana/. Publicado em 27 de fevereiro (2020).

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