UFMG
26/03/2020
“A Covid-19 é uma doença com potencial de esgotar a capacidade de assistência dos serviços de saúde, sem tratamento específico até o momento. Por isso, a atuação do farmacêutico nas drogarias e nas unidades básicas de saúde é essencial para orientar pacientes sobre o uso correto de medicamentos, especialmente confrontando o grande volume de informações incorretas que circulam nas redes sociais”. A afirmação é da farmacêutica Joyce Melgaço, do Centro de Estudos do Medicamento (Cemed) da UFMG.
O órgão, vinculado à Faculdade de Farmácia da UFMG, disponibiliza para a população, via internet, o espaço Pergunte ao Cemed, canal para orientação sobre uso seguro de medicamentos, além de publicações em suas redes sociais e blog, algumas em parceria com outros centros especializados em informação de medicamentos das universidades federais do Vale do São Francisco ( Univasf), de Sergipe (campus Lagarto), Ceará (UFC) e com o Conselho Regional de Farmácia da Bahia (CRF-BA).
Uma das dúvidas mais recorrentes nesse contexto da pandemia do coronavírus, e também geradora de informações incorretas nas redes sociais, diz respeito à automedicação ou mesmo à interrupção de medicamentos de uso contínuo para tratamento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
De acordo com Joyce Melgaço, a automedicação ou a interrupção de medicamentos de uso contínuo não deve ser adotada. “Como os pesquisadores e profissionais de saúde ainda não têm muito conhecimento sobre como o vírus afeta a ação de determinados medicamentos, a orientação é manter o tratamento como de costume. A supressão desses medicamentos pode levar ao surgimento de problemas e complicações relacionadas à doença de base, e isso pode deixar a saúde da pessoa mais fragilizada”, adverte.
A orientação se aplica, especialmente, aos pacientes com doenças, como diabetes, câncer, doenças do coração (arritmias, angina, insuficiência cardíaca), doenças respiratórias (asma, efisema, DPOC) e doença renal crônica. “Entende-se que essas doenças tornam o indivíduo mais frágil, o que dificulta a atuação do sistema imunológico no combate ao vírus. Por isso, pessoas com essas doenças têm mais chance de apresentar sintomas graves da Covid-19”, afirma.
A farmacêutica destaca também a importância da orientação com farmacêuticos sobre uso de medicamentos para sintomas gripais leves, que dispensam a ida aos centros de saúde – o que contribui para prevenção do contágio e esgotamento dos serviços. “Os medicamentos de primeira escolha para tratamento dos sintomas gripais leves são o paracetamol ou a dipirona. Geralmente, usando um deles já é possível controlar os sintomas. Em caso de contraindicação, como alergia a esses medicamentos, ou se eles não estiverem disponíveis, outras opções podem ser indicadas pelo médico ou farmacêutico”, orienta.
“Os antigripais, embora vendidos sem receita médica, podem ser utilizados, desde que haja orientação do farmacêutico, porque muitos deles possuem combinações de princípios ativos que são pouco efetivos mesmo em casos da gripe comum e normalmente têm um custo relativamente alto”, acrescenta Joyce Melgaço.
Anti-inflamatórios
Quanto ao risco de uso do ibuprofeno, ou de outros anti-inflamatórios não esteroides, outra dúvida recorrente nas redes sociais, a farmacêutica explica que, até o momento, “não existe experiência clínica suficiente nem testes que comprovem que o ibuprofeno pode agravar a Covid-19. Existe apenas uma suposição teórica que indica que esse agravamento pode ocorrer, mas essa hipótese ainda não foi comprovada na prática. Portanto, o uso do ibuprofeno deve ser evitado, por precaução, mas ele não é completamente contraindicado”, afirma. Veja nota técnica publicada no blog do Cemed.
Tratamento e vacina
“Para tratamento da Covid-19 ainda não existem medicamentos específicos. No entanto, existem medicamentos utilizados como medidas de suporte para tratar os sintomas, os mesmos recomendados para eliminar os sintomas gripais leves – paracetamol ou a dipirona”, observa Joyce Melgaço.
Sobre os estudos com a cloroquina e hidroxiclonora para tratar a Covid-19, Joyce Melgaço alerta: “ainda é muito cedo para estabelecer conclusões adequadas a respeito disso, pois as poucas pesquisas que existem são preliminares (realizadas in vitro, com células isoladas) ou foram realizadas com uma amostra de indivíduos muito pequena. Por isso, a cloroquina e a hidroxiclorona não devem ser utilizadas para prevenir ou tratar Covid-19. Esses medicamentos podem causar eventos adversos como dor de cabeça, erupções na pele, tontura, distúrbios da visão, anemia, convulsão e problemas cardíacos, assim, sua utilização deve ser monitorada por um profissional de saúde”, afirma. Nesta semana, um homem de 60 anos morreu nos Estados Unidos após usar, sem orientação médica, a substância cloroquina em uma aparente tentativa de se tratar da Covid-19.
“Além disso”, prossegue a farmacêutica “é importante ressaltar que a compra indiscriminada pode levar à falta desses medicamentos para os pacientes que realmente precisam deles para tratamento de outras doenças graves”.
Cloroquina: sem teste clínico
A recomendação é reforçada pelo professor da UFMG, Gustavo Menezes, chefe do Centro de Biologia Gastrointestinal e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI). Em live divulgada no Instagran da SBI, na última segunda-feira, 23, ele argumentou que o risco do efeito colateral de um medicamento não pode ser maior que seu benefício. “Até o momento, não existe nenhum teste clínico registrado e publicado, que evidencie a validade dessa substância para tratar doenças virais, como a Covid-19”, afirmou.
Em distanciamento social, em casa, “estudando os inúmeros artigos científicos compartilhados pelos membros da Academia Brasileira de Ciências”, o professor da UFMG relatou que os testes in vitro com cloroquina, apresentaram evidências contra seis vírus, incluindo dengue e chicungunha. Portanto, entre as alternativas terapêuticas propostas para a Covid-19, como quimioterápicos, antivirais, o próprio soro dos pacientes com Covid-19 já curados e vacina, a hidroxicloroquina é a que mais ganhou espaço até mesmo nas mídias sociais, porque apresenta vantagem na corrida contra o tempo.
“Essa janela do tempo, entre descobrir, testar e sintetizar um medicamento até chegar nas pessoas, é muito larga, sendo o nosso maior problema contra a pandemia causada por um vírus como o Sars-V-2, que se adaptou tão bem aos humanos”. Por isso, reforça o pesquisador, testar um medicamento que já existe pode ser o caminho mais curto, especialmente ao se considerar, no caso da cloroquina, seu baixo custo de produção (centavos de dólar por dose).
“Mas ainda é apenas uma esperança. Trata-se de uma substância originária da árvore Cinchona, do Peru, sintetizada há mais de 80 anos pela Bayer, para tratar, inicialmente, a malária. Sua atuação imunorreguladora para doenças inflamatórias, como doença reumática e lúpus, tem elevado risco colateral. Por isso, precisamos tanto de testes clínicos em um grande número de indivíduos, para que as evidências para tratar viroses sejam seguras”, reforçou Gustavo Menezes.
(Teresa Sanches)
Como citar esta notícia: UFMG. Covid-19 e medicamentos: automedicação e interrupção não devem ser adotadas. Texto de Teresa Sanches. Saense. https://saense.com.br/2020/03/covid-19-e-medicamentos-automedicacao-e-interrupcao-nao-devem-ser-adotadas/. Publicado em 26 de março (2020).