Jornal da USP
08/04/2020
Por Hugo Tourinho Filho, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP/USP)*
São 15h30 de uma quarta-feira e estou trabalhando no sistema home-office há mais de uma semana em função do confinamento que a pandemia provocada pela covid-19 nos impôs. No andar de cima, ouço meus vizinhos, dois “anjinhos” entre cinco e oito anos, que correm enlouquecidamente pelo apartamento, “orientados” pelos berros de sua mãe.
Acredito que nunca antes na história da humanidade os professores foram tão reconhecidos como neste momento de quarentena. O que fazer com nossas crianças confinadas, muitas vezes em espaços pequenos e com pais divididos entre seu cuidado e os afazeres profissionais e domésticos?
Acredito ser importante fazer aqui um parêntese sobre a importância do “brincar” na formação das crianças. Atualmente, no mundo em que vivemos, o lúdico ocupa um espaço cada vez menor no universo infantil. As crianças estão brincando cada vez menos e este fato se dá em virtude de alguns fatores dos quais se destacam: o amadurecimento precoce, a redução do espaço físico e do tempo de brincar em função, muitas vezes, do excesso de atividades – o aprendizado de línguas estrangeiras, as aulas de reforço escolar, a participação em grupos artísticos e equipes esportivas, e toda uma gama de compromissos que, em tese, estariam “preparando” nossas crianças para o mercado de trabalho. Quando sobra tempo, em muitos dos casos, as horas de lazer são gastas à frente da televisão e dos jogos eletrônicos (videogames, tablets, jogos em celulares).
Não se quer dizer com isso que não seja importante a participação em tais atividades e que o contato com novas tecnologias seja prejudicial à criança; pelo contrário, pois tais ferramentas também precisam ser exploradas dentro do ato de educar no mundo contemporâneo. O grande problema é quando não há espaço para o lúdico.
Para manter o equilíbrio com o mundo, a criança necessita brincar, jogar, criar, inventar e experimentar. A infância é a idade das brincadeiras. A brincadeira é algo inerente na criança – é sua forma de trabalhar, refletir e descobrir o mundo que a cerca. Uma criança que não sabe brincar será, fatalmente, um adulto que não sabe pensar e com sérias dificuldades para criar e se relacionar.
Num momento em que estamos diante de tantas dificuldades provocadas por esta pandemia, por que não usar este confinamento para resgatarmos o ato de brincar com nossas crianças, explorando o lúdico ao mesmo tempo que entretemos e educamos nossos pequenos diante desta crise mundial?
Abaixo seguem algumas atividades lúdicas (brincadeiras), do tempo de nossos avós, que podem ser usadas numa amplitude de idade entre os 3 e os 10 anos, respeitando suas individualidades e limites:
- Amarelinha – existem várias versões de amarelinha, mas a mais conhecida é aquela com as casas de 1 a 10 riscadas no chão, onde a de número 10 representa o céu. Para brincar, é mais fácil ainda: só jogar uma pedrinha na casa (a pedra tem que cair dentro da casinha, sem encostar nas linhas) e, em seguida, pular cada quadrado com um pé só, ignorando aquele em que está a pedra, que pode ser substituída por uma bolinha feita com meias.
- Brincadeiras com balões – eis uma ótima pedida para divertir todo mundo. Dá para fazer um jogo de voleibol com os pequenos ou simplesmente estimulá-los a realizar diversos malabarismos com a bexiga.
- Batata quente – reúna as crianças em um círculo, deixando uma de fora. As crianças passam uma bola bem rápido, de mão em mão, até que quem está de fora grita: “Batata quente!”. Quem estiver com a bola na mão está eliminado da brincadeira.
- Escravos de Jó – lembra da canção com os versos “escravos de Jó, jogavam caxangá, tira, põe, deixa ficar,/ guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue zá”? Aqui, dois ou mais participantes cantam a música, cada um com uma pedrinha ou copos de plásticos na mão. De acordo com o que diz a música, as crianças vão trocando as pedrinhas ou o copo de plástico.
- Passar anel – os participantes ficam com as mãos juntas e um deles com um anel escondido. A pessoa que está com o anel vai passando suas mãos dentro das mãos dos outros participantes até escolher um deles e deixar o anel cair em suas mãos, sem que os outros percebam. Depois escolhe uma pessoa e pergunta: “Com quem está o anel?”, e a pessoa escolhida tenta acertar.
- Cinco Marias – essa brincadeira constitui-se, primeiramente, em procurar cinco pedrinhas que tenham tamanho aproximado ou confeccionar saquinhos e recheá-los com arroz ou areia. Na primeira rodada, jogue todas as pedrinhas no chão e tire uma delas (normalmente, a pedrinha que está mais próxima de outra). Depois, com a mesma mão, jogue-a para o alto e pegue uma das que ficaram no chão. Faça a mesma coisa até pegar todas as pedrinhas. Na segunda rodada, jogue as cinco pedrinhas no chão, depois tire uma e jogue-a para o alto, porém desta vez pega-se duas pedrinhas de uma vez, mais a que foi jogada para o alto. Repita. Na terceira rodada, com cinco pedrinhas no chão, tira-se uma e joga-se para o alto pegando desta vez três pedrinhas e depois a que foi jogada. E na última rodada, joga-se a pedrinha para o alto e pega-se todas as que ficaram no chão.
- Atividades com sucatas – que tal pegar papelão, cartolina, barbante, cola, revista, caixas de ovos, enfim, o que você tiver em casa? Incentive a criança a montar um jacaré, um castelo ou até um dragão… Aqui a regra é deixar a imaginação ir para o infinito e além…
- Massinhas de modelar – outra ótima pedida são as massinhas de modelar, além de estimular a imaginação do seu filho, tenha certeza de que ele ficará entretido por muito tempo.
- Desenhos para colorir – que tal imprimir alguns desenhos para seu filho colorir? Pergunte para ele quais gostaria de colorir e procure pela internet, imprima e dê para ele se divertir.
- Bonecas de pano – vovós tinham suas bonecas de pano e elas nunca saem de moda. Use bonecas de pano para criar histórias com as crianças. Deixe-as soltas para criar seus mundos e trazer a fantasia para a vida real. E isso vale para os meninos com seus bonecos de pano.
- Livros – ler também é uma ótima opção. Que tal aproveitar esses dias de confinamento e incentivar a leitura dos pequenos? Peça para eles escolherem alguns livros, deite com eles e leiam juntos. Caso não saibam ler, peça para contarem a historinha de algum dos livros.
- Joguinhos de tabuleiro – crianças adoram brincar com diferentes joguinhos. E na hora de escolher não se esqueça de verificar a faixa etária do jogo e dê preferência para os que estimulam a capacidade de observação, memória, tomada de decisão e resolução de problemas.
Todas essas atividades apresentam como pano de fundo a fantasia, a imaginação, o que não falta para as crianças nesta fase da vida e que, portanto, precisam ser estimuladas das mais diferentes maneiras. Nossos avós, no entanto, não tinham uma ferramenta que é muito interessante e apreciada por nossos miúdos no mundo que vivemos – a tecnologia. Como fazer desta ferramenta um poderoso aliado para entreter e auxiliar na educação ao mesmo tempo?
A discussão sobre o uso de videogames como ferramenta de aprendizado, conhecido também como processo de gamificação, cresce em diferentes espaços, com destaque para os cenários acadêmicos, de marketing e/ou profissionais, e já vem influenciando práticas das quais se destacam as educacionais.
A gamificação parte do conceito de estímulo ao pensamento sistematicamente como em um jogo, com o intuito de se resolver problemas, melhorar produtos, processos, objetos e ambientes com foco na motivação e no engajamento de um público determinado. Dentro dessa linha de raciocínio a literatura tem sinalizado para o fato de que o nível de engajamento das pessoas é fundamental para o sucesso em gamificação.
O foco da gamificação é envolver emocionalmente o indivíduo dentro de uma gama de tarefas realizadas. Para isso são utilizados mecanismos provenientes de jogos os quais são percebidos pelos sujeitos como elementos prazerosos e desafiadores, favorecendo a criação de um ambiente propício ao engajamento do participante.
As pessoas envolvidas nas dinâmicas propostas pela gamificação são desafiadas o suficiente para que assim possam atingir o estado de flow (fluxo). A teoria do flow aponta características que as pessoas apresentam ao desenvolver uma atividade prazerosa, resultando na felicidade e bem-estar e, dessa forma, a gamificação surge como umas das tendências que levam o usuário a essa sensação de satisfação.
Será que nossas crianças irão gostar desse novo conceito de gamificação como ferramenta educacional? Você ainda tem dúvidas sobre isso? Abaixo seguem algumas indicações de jogos eletrônicos que se enquadram nesse novo conceito:
- Minecraft – é o jogo mais vendido de todos os tempos. Minecraft é um jogo sandbox que permite que o jogador crie qualquer coisa. É o equivalente a uma caixa gigante de Lego. O jogador é colocado em um mundo e convidado a explorar, acumular recursos e construir tudo aquilo que desejar. Um jogo fantástico para incentivar criatividade e orgulho nas nossas próprias obras de arte/construções (https://www.minecraft.net/pt-br/).
- ABZU – é uma bela experiência visual e auditiva para quem tem pouca experiência com jogos de videogame. O jogo é uma bela aventura submarina, na qual o jogador controla um mergulhador e explora um oceano repleto de música, cores e vida. Fácil de se jogar e ideal para pais que querem jogar algo relaxante com seus filhos. Além de ser uma oportunidade de apresentar alguns dos vários animais marinhos que vocês vão encontrar durante a partida (https://store.steampowered.com/app/384190/ABZU/).
- Rayman Legends – o último jogo da série Rayman é uma brincadeira com o próprio gênero de plataforma. Pode ser jogado por até quatro participantes, que irão correr, pular e voar nas mais cartunescas fases, com personagens divertidos e músicas empolgantes que vão te fazer querer jogar mais uma fase. É um jogo simples e muito divertido, ideal para quem está começando a se aventurar pelo mundo dos videogames (https://store.steampowered.com/app/242550/Rayman_Legends/).
- Scribblenauts Unlimited – convida o jogador a viver as aventuras de Maxwell e a solucionar os mais diversos quebra-cabeças com o maior dos poderes, a imaginação. O jogador pode criar qualquer objeto, animal ou personagem, basta digitar o que quer no teclado mágico de Maxwell. Um jogo ideal para estimular a criatividade e treinar o vocabulário e a escrita (https://store.steampowered.com/app/218680/Scribblenauts_Unlimited/).
- Trine 4 – Trine é uma série de jogos de plataforma 2.5D (movimentos apenas em duas direções, direita e esquerda, porém animados em 3D) que conta a história das aventuras do mago Amadeus, do cavaleiro Pontius e da ladina Zoya. O jogo explora um mundo medieval cheio de aventuras e quebra-cabeças que pode ser jogado por até quatro participantes simultaneamente (https://store.steampowered.com/app/218680/Scribblenauts_Unlimited/).
- A Hat in Time – é um jogo de plataforma 3D muito inspirado por jogos clássicos como Super Mario 64. Nele, você ajudará uma menina com chapéus mágicos a encontrar ampulhetas mágicas para restaurar sua nave espacial. O jogo é desafiador, com diversos quebra-cabeças que exigem que se entenda o que cada um dos seus diversos chapéus mágicos faz e qual deles é o ideal para cada situação. Um ótimo jogo para quem quer se divertir com algo um pouco mais desafiador (https://store.steampowered.com/app/253230/A_Hat_in_Time/).
- Poly Bridge – é um quebra-cabeças no qual o jogador deve construir pontes. Cada fase apresenta problemas diferentes, seja uma carga mais pesada do que o normal ou um barco passando por baixo do local da ponte. O jogo faz com que se pense em algo criativo e inovador para solucionar seus problemas. Muito bom para começar a conhecer alguns princípios básicos de geometria e física (https://store.steampowered.com/app/367450/Poly_Bridge/).
- Lego-Marvel Super Heroes – assim como todos os outros da série Lego-Marvel Super Heroes, é um jogo voltado para diversão e referências. Nele, você controlará dezenas de heróis e vilões famosos do universo Marvel para salvar o mundo de uma ameaça intergaláctica. O jogo conta uma história baseada em quadrinhos de super-heróis, que envolve viagem no tempo, permitindo que o jogador explore várias civilizações antigas e grandes cidades do mundo. Possui modo multiplayer, o que o torna uma ótima atividade divertida em família (https://store.steampowered.com/app/647830/LEGO_Marvel_Super_Heroes_2/).
- Speed Runners – é uma corrida de super-heróis. Nele, até quatro jogadores disputam corridas com poderes especiais como raios congelantes, supervelocidade, arpeis e muitos outros. Fácil de jogar, é ideal para pequenas sessões em família e para quem gosta de competição (https://store.steampowered.com/app/207140/SpeedRunners/).
- Child of Light – talvez o mais complexo jogo dessa lista, Child of Light é um role play game com um sistema de combate baseado em turnos. Nele, você viverá a história de Aurora e seu companheiro Igniculus, desbravando o continente fantástico de Lemuria para salvar sua família da Rainha da Noite. O jogo conta uma bela história de protagonismo, família e superação. Pode não ser o mais fácil, mas é um dos mais emocionantes desta lista (https://store.steampowered.com/app/256290/Child_of_Light/).
- Stardew Valley – o último jogo desta lista, ainda que também seja um bom jogo para crianças, é voltado para os papais e mamães. Stardew Valley simula uma vida no campo, em que o jogador acaba de deixar seu emprego em uma cidade grande para ir morar na fazenda que herdou do avô. Ali, na cidade de Pelicano, você poderá fazer amizades com os moradores da região, plantar, criar animais, minerar, pescar, cozinhar, construir, explorar cavernas, desertos, praias, florestas e muito mais. É um jogo relaxante e amigável, perfeito para que possamos olhar para as boas coisas da vida simples (https://store.steampowered.com/app/413150/Stardew_Valley/).
Como dica final, lembre-se que nenhuma atividade alcançará toda a sua plenitude sem a sua efetiva participação. Reserve um momento, mesmo que breve, para brincar exclusivamente com suas crianças. Lembre-se que crianças são como esponjas: você pode não perceber, mas elas absorvem tudo ao seu redor, inclusive as suas angústias decorrentes do momento em que vivemos. Então resgate aquela criança que insiste em viver dentro de você e aproveite a oportunidade de reunir a família em torno de um bem maior: uma convivência harmônica e saudável.
* Com a colaboração de Lucas Amaral Brito de Araújo e Gabriel Romero De La Cruz, membros do grupo Gaming Club, da USP em Ribeirão Preto.
[1] Imagem de M W por Pixabay..
Como citar este artigo: Jornal da USP. Como não enlouquecer com nossas crianças em dias de confinamento. Texto de Hugo Tourinho Filho. Saense. https://saense.com.br/2020/04/como-nao-enlouquecer-com-nossas-criancas-em-dias-de-confinamento/. Publicado em 08 de abril (2020).