UFMG
24/07/2020
Testes sorológicos para dengue capazes de diferenciar, de maneira rápida, barata e precisa, os diagnósticos positivos de zika e de outras viroses da família Flavivírus. É o que mira grupo da UFMG que acaba de desenvolver método baseado em nanotecnologia. Utilizando as propriedades óticas de nanopartículas do ouro, os pesquisadores conseguiram obter um reconhecimento exclusivo do vírus da dengue, o que evita as reações cruzadas comumente observadas nos chamados testes rápidos ou na variação do Elisa indireto tradicionalmente utilizada no Brasil.
A metodologia tem grande limite de detecção, com capacidade para identificar concentrações picomolares de anticorpos. Isso possibilita diferenciar nos soros cada infecção por vírus mesmo em concentrações muito baixas das proteínas de defesa. A propriedade ótica das nanopartículas garante resolução muito alta na leitura do exame e torna possível distinguir os quatro sorotipos diferentes de dengue e até diferenciar uma infeção por zika, principal objetivo clínico do estudo.
O método também consegue diagnosticar se a pessoa está realmente infectada logo no início de produção de anticorpos. “Não é necessário esperar o pico desse processo, que ocorre cerca de sete a 10 dias após a infecção. Não é, portanto, um teste que dependa da janela imunológica, como o Elisa”, esclarece a pesquisadora Alice Versiani, primeira autora de artigo publicado na Scientific Reports, que apresenta os resultados do estudo.
“É uma técnica inovadora, desenvolvida no Brasil e de grande potencial clínico. Juntando tudo isso, temos a capacidade de impactar o diagnóstico de dengue nacional”, enfatiza Versiani, que é mestre e doutora em Microbiologia pela UFMG e vinculada ao Grupo de Pesquisa em Nanobiomedicina (NBMrg), sediado na Universidade, com especialistas das áreas de biologia, física, medicina, química e engenharia.
Versiani lembra que a dengue está presente em todo o território nacional, e o seu agente causador circula com outros vírus bastante similares, tanto em suas partículas e proteínas quanto na resposta imunológica e no perfil sintomático dos infectados. Daí a importância de buscar maior sensibilidade para os testes sorológicos comuns.
Nanossensores
Para chegar a esse objetivo de forma rápida e sem grandes custos, o grupo apostou no uso de nanossensores plasmônicos. A nanotecnologia está muito presente no cotidiano – dos microcircuitos às roupas, passando por conservantes alimentícios e cosméticos. “A nanomedicina é um campo da ciência que evolui em alta velocidade. Temos atualmente os sensores nanoplasmônicos, que são muito rápidos, baratos para produção em larga escala, reprodutíveis e possibilitam trabalhos nos quais é possível detectar várias biomoléculas”, explica Alice Versiani.
O grupo ao qual a pesquisadora está vinculada produziu em laboratório proteínas da dengue, dos tipos 1, 2, 3 e 4. Os pesquisadores utilizaram sequências da proteína do envelope desses vírus, que são as mais imunodominantes – expediente que garante que os anticorpos produzidos durante a infecção as reconheçam. Em seguida, a superfície das nanopartículas de ouro passou por um processo de manipulação química para que essas proteínas fossem covalentemente ligadas de maneira estável.
Após comprovar que as proteínas foram ligadas corretamente e com potencial de reconhecer anticorpos, foi possível fazer uma análise de limites de detecção. Os anticorpos foram diluídos com sucesso até quantidades pico e fentomolares sem perda do reconhecimento. Em seguida, foram realizadas tentativas de identificar os anticorpos produzidos em uma infecção natural. O nanossensor plasmônico também conseguiu reconhecer o soro humano de um paciente positivo.
O processo de identificação baseia-se na mudança do espectro da nanopartícula: quando os pesquisadores emitem luz na superfície da partícula de ouro, ocorre a ressonância dos elétrons. O mesmo acontece com as substâncias colocadas naquela superfície – isso gera a leitura de uma ressonância diferente. O padrão de agitação muda, pois outros íons foram introduzidos na superfície daquela partícula. Assim, qualquer reagente químico, proteína ou anticorpo inserido vai produzir uma mudança do espectro.
Teste mais sensível
Assim como os testes normalmente utilizados para dengue, a versão desenvolvida na UFMG é essencialmente sorológica. “O que acontece é que, com a utilização da nanotecnologia, obtivemos um teste muito mais sensível, porque a forma de identificar a ligação antígeno-anticorpo é mais precisa. Essa ligação normalmente acontece em todos os exames sorológicos, mas, no caso da nossa tecnologia, o sinal é amplificado graças às propriedades óticas da nanopartícula”, detalha Versiani.
Mais usados, os testes rápidos comumente são de baixa sensibilidade e funcionam principalmente para discriminar em um primeiro momento se a pessoa tem uma doença ou não. Sua vantagem, portanto, reside na velocidade de diagnóstico. Entretanto, a estratégia criada na UFMG também é muito rápida. A interação antígena ocorre em 15 a 20 minutos. Apesar de demandar um aparelho – o que não ocorre no teste rápido –, a leitura do resultado é muito simples, sem todo o processamento demandado pelo Elisa. Além disso, não é possível diferenciar sorotipos do vírus da dengue ou até mesmo uma infecção pelo vírus Zika em um teste rápido, o que torna a estratégia criada na UFMG um teste confirmatório veloz e inovador.
Outra grande vantagem da técnica é o chamado label free. “Isso significa que não é necessário nenhum outro reagente para realizar o teste, o que geralmente é exigido por outros diagnósticos, como o Elisa”, destaca Alice Versiani.
Apesar de não haver ainda uma definição em relação aos custos da testagem, a previsão é de que não será um procedimento dispendioso. “Quando falamos de ouro, é normal achar que é algo muito caro. Mas um grama do metal gera milhares de nanopartículas. Então, como o teste não precisa de outros reagentes, acreditamos que os custos finais serão compatíveis com os testes rápidos”, avalia a pesquisadora. “Precisamos de muito pouco ouro para produzir nanopartículas e de poucas delas para fazer o teste. Fizemos a pesquisa toda com menos de 100 ml de nanopartículas”, garante.
Aprimoramento e software de leitura
O grupo depositou as patentes nacional e internacional da metodologia, e os estudos seguem em duas outras frentes de desenvolvimento: aprimoramento e escalonamento do teste e criação de um software específico de leitura. “Temos alguns alunos trabalhando no CT Vacinas [Centro de Tecnologia de Vacinas, localizado no Parque Tecnológico de Belo Horizonte], sob orientação do professor Flávio Guimarães Fonseca, para a produção de proteínas. Em vez da produção em bactéria, base da nossa primeira fase de trabalho, estamos utilizando outros métodos para buscar resultados melhores”, relata Alice Versiani.
De acordo com a pesquisadora, a segunda frente tem foco em um dos grandes gargalos da tecnologia de biossensores, que é a necessidade de um técnico que saiba ler e interpretar os dados. Para contornar o problema, o grupo iniciou colaboração com o professor Jhonattan Córdoba Ramírez, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG. Ele está realizando uma análise de comportamento dessas leituras para desenvolver um software de leitura capaz de facilitar todo o processo relativo à metodologia.
Artigo: Nanosensors based on LSPR are able to serologically diferentiate dengue from Zika infections
Autores: Alice F. Versiani, Estefânia M. N. Martins, Lidia M. Andrade, Laura Cox, Glauco C. Pereira, Edel F. Barbosa-Stancioli, Mauricio L. Nogueira, Luiz O. Ladeira e Flávio G. da Fonseca
Publicação: Scientific Reports, 10, artigo 11302 (2020), 9 jul. 2020. [1]
[1] Texto de Luiza França.
Como citar esta notícia: UFMG. Metodologia da UFMG para testes sorológicos diferencia infecções de dengue e zika. Texto de Luiza França. Saense. https://saense.com.br/2020/07/metodologia-da-ufmg-para-testes-sorologicos-diferencia-infeccoes-de-dengue-e-zika/. Publicado em 24 de julho (2020).