Susana de Souza Lalic
14/08/2020

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O que te lembra a palavra Chernobyl? Catástrofe? Bem, infelizmente, devido ao desastre nuclear de abril de 1986 [2], o nome da cidade ucraniana onde se localizava a usina nuclear virou sinônimo de catástrofe. O entorno da usina, que era uma área populosa, transformou-se em uma cidade fantasma. Isso ocorreu devido ao nível de radiação ficar muito alto por causa do material radioativo, que se espalhou pela região com a explosão da usina, e continua muito alto depois de mais de 34 anos. O recente seriado Chernobyl [3] da Netflix chamou novamente à atenção para o acidente que causou grandes danos a região e que evoca um grande medo do público, relacionando usinas nucleares a desastres ambientais irreparáveis.

É certo que seres humanos não resistiriam viver nessa área mais contaminada. Mas se você acha que o entorno de Chernobyl é uma área desprovida de vida, saiba que exuberantes florestas ao redor da antiga usina nuclear floresceram pouco tempo depois do acidente e atraem muitos animais. Sim, toda a vegetação, exceto as plantas mais vulneráveis ​​e expostas, sobreviveram, mesmo nas áreas mais radioativas. Há também na região de exclusão alguns moradores que se recusaram a sair e habitam suas casas até hoje.

Sabemos que a radiação pode liberar energia ao interagir com a matéria, rompendo as ligações das suas moléculas e causando danos no sistema biológico, que podem evoluir para graves lesões. No entanto, muitas das lesões podem ser prontamente reparadas e remediadas, dependendo da dose [4].

A radiação gera espécies altamente reativas de oxigênio (radicais livres), que induzem efeitos no DNA das plantas. Esses são prejudiciais ao organismo e ao desenvolvimento da espécie a longo prazo. Mas a radiação é onipresente no ambiente. Ela pode ser proveniente de fontes naturais, como de rochas e raios cósmicos, ou artificiais, como do combustível usado nas usinas nucleares ou de elementos usados em medicina nuclear. Efeitos significativos da irradiação crônica em doses relativamente baixas já foram relatados em plantas. Por isso, a resistência da flora e fauna a doses de radiação tão altas surpreendeu muitos cientistas [5]. Como a vida dessas plantas foi e é tão resistente à radiação em Chernobyl?

Um recente trabalho [6] fez uma revisão dos efeitos da radiação no material genético de plantas. Os processos adaptativos e a evolução das espécies vegetais foram avaliados considerando os efeitos genéticos que as plantas sofreram após o acidente de Chernobyl como um estudo de caso. Demonstrou-se que a resposta das plantas à irradiação de Chernobyl foi uma interação complexa de diversos fatores.  É claro que os efeitos da radiação no DNA são prejudiciais ao organismo e ao desenvolvimento a longo prazo da espécie. Mas a radiação ionizante repetida (aguda ou crônica) garante que as plantas se adaptem, tornando-as resistentes.

Assim, concluiu-se que a radiação influencia a estrutura genética, especialmente durante a irradiação crônica, reduzindo a variabilidade genética, mas confirma a teoria de adaptação dos seres vivos ao ambiente. Portanto, os efeitos verificados da radiação nas plantas em Chernobyl demonstram seu provável envolvimento na evolução das espécies vegetais até chegar no que são hoje.

[1] Imagem de Chris Spencer-Payne por Pixabay.

[2] K Baverstock, D Williams. The Chernobyl accident 20 years on: an assessment of the health consequences and the international response. Environ. Health Perspec., 114 1312 (2006).

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Chernobyl_(miniss%C3%A9rie).

[4] MA Esnault et al. Ionizing radiation: advances in plant response Environ. Exp. Bot., 68 231 (2010) doi: 10.1016/j.envexpbot.2010.01.007.

[5] NA Beresford et al. Field effects studies in the Chernobyl Exclusion Zone: Lessons to be learnt J. Environ. Radioact., 211 105893 (2020) doi: https://doi.org/10.1016/j.jenvrad.2019.01.005.

[6] GM Ludovici et al. Adaptation to Ionizing Radiation of Higher Plants: from Environmental Radioactivity to Chernobyl Disaster J. Environ. Radioact. 222, 106375 (2020) doi: https://doi.org/10.1016/j.jenvrad.2020.106375.

Como citar este artigo: Susana de Souza Lalic. As plantas e o desastre de Chernobyl: uma prova da adaptação das espécies. Saense. https://saense.com.br/2020/08/as-plantas-e-o-desastre-de-chernobyl-uma-prova-da-adaptacao-das-especies/. Publicado em 14 de agosto (2020).

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