Jornal UFG
11/08/2020

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Emiliano Lobo de Godoi*

Com a chegada da estação seca no cerrado, uma velha história se repete: iniciam-se as queimadas para limpeza de lotes, das pastagens e demais tipos de vegetações indesejadas. Uma técnica rápida e barata que não considera seus efeitos maléficos, não só para os seres vivos, mas também, para o solo, o ar e a água. Os efeitos negativos desta prática, conhecida desde os primórdios da chegada dos europeus ao nosso país, não são uma novidade. O naturalista brasileiro José Vieira Couto, em seu trabalho escrito em 1799, Memória sobre a Capitania de Minas, alertava que “já é tempo de se atentar nestas preciosas matas que o cultivador do Brasil, com o machado em uma mão e o tição em outra, ameaça-as de total incêndio e desolação”.

O bioma cerrado convive com as queimadas naturais que ocorrem nas estações chuvosas e têm suas origens a partir de raios. Pesquisas indicam que no bioma existem vestígios de ocorrência de queimadas naturais há mais de 30 mil anos antes do presente, sendo assim, um componente fundamental da história evolutiva da vegetação do Cerrado. Entretanto, neste cenário, a vegetação e o solo estão molhados. Existe alta umidade no ar. Assim, seus efeitos negativos são de baixa magnitude.

As queimadas nas estações secas têm suas origens sempre ligadas a ação do homem, e, quando feitas com frequência, não permitem a recuperação e o ciclo natural do bioma, o que acaba gerando ambientes mais abertos e com predominância de gramíneas e a redução de espécies arbóreas.

As queimadas trazem sérios danos a fauna silvestre pois, além da mortandade direta causada, destroem os habitats das espécies gerando prejuízos de muitos anos, para muito além do fogo. As queimadas prejudicam as águas por eliminarem as matas ciliares dos rios e, ainda, pela poluição produzida através da deposição das próprias cinzas nos mananciais. As queimadas prejudicam a produção agrícola, pois altera, direta ou indiretamente, as características físicas, químicas, morfológicas e biológicas dos solos, como o pH, teor de nutrientes e carbono.

A rigorosa estação seca do cerrado, com níveis extremamente baixos de umidade, é seriamente comprometida quando ocorrem as queimadas. Estudos científicos indicam forte relação entre as queimadas e doenças pulmonares, dermatológicas, gastrointestinais e cardiovasculares. Em áreas urbanas, as queimadas liberam partículas tóxicas com a combustão do lixo, pneus e plásticos.

A lista de danos das queimadas é extensa. Não nos faltam motivos para abandonar essa prática. Faz tempo que existem alternativas bem mais sensatas para isso. Como diz o filósofo francês Edgar Morin, “a humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum”. Já é hora de pensarmos em outras soluções. Já é hora de se pensar no próximo, seja ele um ser humano ou não. Já é hora de se queimar essa ideia.

*Artigo publicado no Jornal O Popular

Emiliano Lobo de Godoi é professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás

[1] Imagem de skeeze por Pixabay.

Como citar este artigo: Jornal UFG. Vamos queimar essa ideia?  Texto de Emiliano Lobo de Godoi. Saense. https://saense.com.br/2020/08/vamos-queimar-essa-ideia/. Publicado em 11 de agosto (2020).

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