UFRGS
01/02/2021
Um trabalho do Núcleo de Pesquisa Dinâmica das Relações Familiares da UFRGS demonstrou que o isolamento social em função da pandemia de covid-19 não gerou novos problemas nas relações conjugais. A pesquisa foi realizada por meio de questionário online e contou com participação de 640 pessoas. Após analisar as respostas, os pesquisadores concluíram que o isolamento social provocou um aumento da intensidade do clima emocional existente entre o casal, ou seja, o que estava bom ficou melhor; o que não estava veio à tona.
As pessoas que responderam o questionário tinham entre 18 e 80 anos, sendo 60% mulheres. Para analisar os resultados, os dados foram separados em dois grupos: aqueles que apontavam uma melhora da relação e aqueles que mostraram uma piora. De acordo com Adriana Wagner, coordenadora do grupo de pesquisa e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSICO), do Instituto de Psicologia da UFRGS, o estudo indica que pessoas que apresentavam níveis baixos de qualidade conjugal foram as mais afetadas pelo período de distanciamento social. Cerca de 40% revelou ter vontade ou muita vontade de se separar. Por outro lado, aproximadamente 45% das pessoas que apresentavam bons níveis de qualidade conjugal relatou um aumento nas manifestações de carinho e afeto nesse período. Adriana comenta que muitas pessoas atribuíram à pandemia e ao contexto de confinamento os seus problemas conjugais, como se fossem novos fatores nas relações. No entanto, salienta que essa não é a lógica, pois o isolamento apenas aumentou a intensidade da convivência e favoreceu que se revelasse o clima emocional existente entre o casal. Os dados dos questionários foram coletados durante junho e julho de 2020 por meio de divulgação em redes sociais do grupo de pesquisa.
A psicóloga esclarece que quando se estuda o relacionamento conjugal há três níveis a serem analisados: o indivíduo, isso é, o cônjuge e suas características de personalidade, a interação que o casal estabelece e como enfrenta conflitos e o contexto em que estão inseridos. Dessa forma, a pandemia trouxe um novo contexto para os casais, o qual intensificou os aspectos preexistentes dos relacionamentos. “Foi um palco para peculiaridades aparecerem”, diz. O grupo de pesquisa pretende redigir artigos a partir dos dados obtidos.
O interesse feminino pelo cuidado e a terapia de casal
O questionário foi respondido em maior parte pelo público feminino: 60% dos respondentes. A pesquisadora comenta que esse fato não interfere nos dados, já que tratam da relação a dois, mas revela que quem está mais interessado em saber sobre a saúde do casal é a mulher. Adriana explica que, por mais que os papéis sociais desempenhados em casa estejam cada vez mais difusos, os cuidados com o relacionamento é, predominantemente, papel da mulher. “O interesse por entender a conjugalidade é da mulher. É um aspecto construído por meio da educação”. A cientista explica que o modo que se ensina crianças a brincar e a se comportar define esses padrões e estabelece um contraponto: “muito se fala em ‘nova conjugalidade’, por causa de configurações diferentes nas relações. Mas não temos isso. Em termos de cuidado do casal, tudo ainda está muito em cima do lado feminino”, conclui. De acordo com Adriana, a figura masculina geralmente tem mais dificuldade de perceber os problemas e, quando nota, tende a procrastinar e esperar que sua parceira tome a iniciativa para encontrar soluções.
Consequentemente, houve uma dificuldade em obter respostas de homens sobre as relações conjugais. Mesmo utilizando ferramentas de redes sociais para aumentar o alcance da pesquisa, principalmente para o público masculino, a amostra não ficou equiparada. Além disso, ela conta que recebeu feedback por parte de homens, dizendo que nunca tinham refletido sobre as questões apresentadas no questionário da pesquisa. Salienta ainda que geralmente quando um casal procura por terapia, também é a esposa quem busca pelo atendimento e leva seu parceiro. Ela explica que, quando há demanda por essa terapia, é porque já existe uma “fratura exposta” e é preciso estabelecer um novo contexto para que a relação e os conflitos possam ser encaminhados de forma mais construtiva. A ideia da terapia de casal e dos estudos do grupo de pesquisa tem objetivado, há mais de uma década, promover a saúde conjugal. Inclusive, criaram um modelo psicoeducativo para a conjugalidade, chamado “Viver a dois: compartilhando esse desafio”, o qual procura ajudar os casais a encaminhar seus conflitos de maneira construtiva.
Por outro lado, Adriana acredita que na atual geração esse estigma de desinteresse ou despreparo por parte dos homens pode mudar. “Eu sou uma otimista dessa geração, enquanto homens, pais e maridos. Há um pensamento mais reflexivo, forma diferente de se relacionar”.
Psicologia online e próximos passos
Por causa da pandemia da covid-19, os atendimentos precisaram ser realizados online, prática que antes era permitida em poucos casos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). A psicóloga explica que essa necessidade gerou uma abertura para os tratamentos virtuais. “Nesse momento, a terapia online apareceu como único recurso. Eu trabalho com isso tem um tempo e digo, evidentemente, que funciona sim”, declara Adriana sobre a insegurança tanto de pacientes como de terapeutas em relação ao atendimento por meio digital. Além disso, ela indica que essa prática tem um lado muito positivo, como um efeito colateral: pessoas que não utilizavam essas ferramentas, como computador e internet, acabaram se sentindo empoderadas e confiantes quando dominaram essa tecnologia e se beneficiaram dela, fato que trouxe crescimento aos pacientes e terapeutas. Adriana esclarece que isso se dá devido à necessidade de flexibilidade do momento, e essa variável é muito importante para saúde mental. “Esse recurso tem ampliado as modalidades de tratamento e tem sido muito positivo para nossa área”, complementa. [1]
[1] Texto de Thiago Sória.
Como citar esta notícia: UFRGS. Relações conjugais: pandemia intensifica quadro anterior ao isolamento social. Texto de Thiago Sória. Saense. https://saense.com.br/2021/02/relacoes-conjugais-pandemia-intensifica-quadro-anterior-ao-isolamento-social/. Publicado em 01 de fevereiro (2021).