UFMG
01/04/2021
Os rios urbanos sofrem perda de biodiversidade, em níveis alarmantes, em diversos países. Embora os dados de avaliação biológica disponíveis não sejam suficientes para retratar a realidade de todo o planeta, sabe-se que o risco de extinção de peixes chega a 70% das espécies no Japão e a 42% na Nova Zelândia.
E o mais preocupante é que os poucos esforços de reabilitação existentes limitam-se, em geral, a um segmento de rio, e os projetos não incluem monitoramento contínuo. Esses fatores são amplificados pela escassez de dados e graves restrições políticas e financeiras.
Essa avaliação é resultado do estudo Avaliação biológica e reabilitação de rios no mundo: uma visão geral, publicado na revista Water e assinado por 29 pesquisadores de 16 países dos seis continentes. Os professores da UFMG Marcos Callisto, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), e Diego Rodrigues Macedo, do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IGC), integram a equipe liderada pela pesquisadora Maria João Feio, da Universidade de Coimbra.
A soma de esforços entre instituições internacionais resultou nesse levantamento inédito, que, pela primeira vez, analisou conjuntamente os dados de avaliação biológica e dos projetos de reabilitação em vigor em 82 países.
A avaliação biológica de rios, que teve início nos anos de 1990, consiste em abordagem transdisciplinar e transinstitucional para diagnosticar a integridade da saúde de ecossistemas aquáticos. Em alguns países, a avaliação tem base legal e utiliza metodologias padronizadas e bioindicadores de qualidade de água, como a presença de peixes, algas e organismos sensíveis ou resistentes à poluição, como larvas de insetos aquáticos. Estudos realizados em diferentes extensões espaciais somam abordagens geográficas e de engenharia hidráulica, em que são investigados aspectos de uso da terra, integridade de matas ciliares, habitat físico, qualidade de água e vida aquática.
Reabilitação x recuperação
O estudo revela que, nas últimas duas, três décadas, as condições de vida para peixes e invertebrados, como insetos aquáticos, tornaram-se ruins em 50% dos cursos fluviais na Europa, 44% nos Estados Unidos, 25% na Coreia do Sul e 30% na Austrália. Na Nova Zelândia, 42% das espécies de peixes correm risco de extinção, enquanto no Japão o índice de risco já alcança 70% das espécies de peixes.
Segundo o professor Marcos Callisto, outro dado importante revelado pelo levantamento é “que não foram encontrados projetos de completa restauração de rios e riachos, mas um conjunto de ações para reconstruir e recuperar apenas alguns dos aspectos de estrutura, função, diversidade e dinâmica de ecossistemas, insuficientes para corrigir plenamente as severas alterações que vêm sendo impostas à dinâmica ecológica de águas urbanas”. Apesar disso, essas medidas de reabilitação são eficientes na melhoria da qualidade ambiental, conforme a experiência internacional.
Desafios transnacionais
Na avaliação do professor Diego Macedo, o cenário é preocupante, uma vez que os desafios – tanto quanto os cursos de muitos rios na América do Sul e na Europa – são transnacionais. Assim, os esforços de recuperação demandam ações conjuntas e unificadas. “É essencial a soma de esforços entre governos e sociedade, com bases legais amplamente discutidas, metodologias únicas e padronizadas e monitoramentos de longo prazo”, defende.
Diante de tantos desafios, os pesquisadores recomendam elencar prioridades, que passam pela gestão de políticas e parcerias institucionais: atuação política e pública na definição de necessidades e prioridades ecológicas em um arcabouço de manejo e políticas públicas, financiamentos específicos à implementação de programas de restauração fluvial – coordenados e associados à estrutura governamental e em parceria com universidades e centros de pesquisa para contínuo desenvolvimento e suporte –, definição de objetivos claros (específicos, mensuráveis, com bancos de dados atualizados em tempo real), de longo prazo e factíveis com a realidade e tempo disponíveis nos contextos local e nacional.
“A participação de comunidades ribeirinhas, empresários, escolas e outros segmentos sociais, como no projeto de ciência cidadã em Minas Gerais, é fundamental”, avalia Macedo.
Marcos Callisto sugere: “A utilização de metodologias padronizadas e atuais, com respaldo científico e base em evidências divulgadas para a sociedade, e de ferramentas biológicas como exigência de lei complementariam o monitoramento de parâmetros abióticos em rios urbanos”.
Legislação
O estudo apresenta o resultado das análises organizadas em capítulos sobre a Ásia, América Central e do Sul, Europa, América do Norte e Oceania.
Na América do Sul, os pesquisadores destacam programas bem estruturados e de monitoramentos consolidados, apoiados em parâmetros químicos, físicos e microbiológicos, em países como Brasil, Peru e Uruguai.
No campo da legislação, o Brasil destaca-se, por exemplo, pela Resolução 357/2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), focada em águas para uso humano, uso de organismos aquáticos para avaliar a saúde de corpos d’água e a importância de manutenção da vegetação ribeirinha para proteger a biodiversidade aquática e conservar os serviços ecossistêmicos.
No plano estadual, a Resolução Normativa Conjunta 1/2008, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG), estabelece que os ambientes aquáticos devem ser avaliados por indicadores biológicos com a determinação de áreas de referência, métodos de avaliação de bioindicadores, incluindo os grupos de peixes e invertebrados bentônicos (que vivem no fundo ou nos sedimentos de cursos d’água).
Em outros países, as diretrizes legais são bem definidas, mas não há qualquer iniciativa nacional; em outros ainda, como Venezuela, Suriname e Guiana, não há sequer perspectivas de monitoramento.
Saneamento e recuperação das áreas de preservação
Os pesquisadores sugerem que o primeiro passo para os países sul-americanos recuperarem seus rios seria a implantação de saneamento total em bacias urbanas (coleta de esgoto, resíduos sólidos, implantação de drenagem pluvial), como ocorre em cursos d´água urbanos de Belo Horizonte: Baleares, Primeiro de Maio e Nossa Senhora da Piedade, beneficiados pelo Programa Drenurbs, da prefeitura. Eles foram alvo de ações de saneamento e construção de parques lineares em seus entornos. Em relação aos rios em áreas rurais, os especialistas propõem implantação efetiva do Código Florestal, visando à recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs).
O estudo também recomenda monitoramento regular, adoção de programas em longa extensão, de medidas de reabilitação para reduzir espécies invasoras não nativas, de ações de educação ambiental e de conscientização em relação à importância de ecossistemas fluviais e de seus serviços ecossistêmicos, de métodos e padrão de detalhamento de requisitos técnicos para projetos de sucesso, além do exercício de efetiva liderança do poder público no desenvolvimento dessas ações.
(Teresa Sanches)
Como citar este texto: UFMG. Estudo global revela perda de biodiversidade em rios urbanos. Texto de Teresa Sanches. Saense. https://saense.com.br/2021/04/estudo-global-revela-perda-de-biodiversidade-em-rios-urbanos/. Publicado em 01 de abril (2021).