UnB
01/10/2021
Otávio de Toledo Nóbrega
Desde 2006, ficou definido o dia 1º de outubro de cada ano como o Dia Nacional do Idoso. E a humanidade passa por uma situação sem precedentes. Em muito breve, teremos mais idosos do que crianças no mundo, e mais pessoas em extrema velhice do que jamais tivemos em toda a história. No Brasil, já é realidade desde 2010 que temos mais pessoas acima dos 60 anos que crianças até 5 anos de idade, com expectativa de que atinjamos mais idosos que todo o contingente infanto-juvenil e adolescente (até 20 anos) antes de 2050.
No mundo, o número absoluto de pessoas com 65 anos ou mais deve triplicar, crescendo dos cerca de 500 milhões em 2010 para quase 1,5 bilhão até 2050, mas com a maior parte desse aumento em países menos desenvolvidos como o Brasil, e com a humanidade crescendo apenas 30% no período – de 7 para cerca de 9 bilhões. O número global de centenários aumentará em dez vezes entre 2010 e 2050.
Essa transformação demográfica ocorre de forma acelerada no Brasil. Países como França levaram 80 anos para duplicar seu contingente de idosos. No Brasil, isto ocorrerá em menos de 2 décadas, demandando ajustes sociais rápidos sob pena de envelhecermos pobres e de forma desamparada. Ainda não há políticas públicas eficazes para promover envelhecimento saudável, digno, inclusivo e participativo. Instituições de longa permanência são escassas, precarizadas e restritas aos centros urbanos. O serviço público de saúde permanece ineficiente e centrado em lógica curativa, distante de efetivar o objetivo constitucional da promoção e da proteção da saúde a todos.
Estas limitações terão com consequência um envelhecimento com carências e desigual. Parcela privilegiada dos brasileiros gozará de um período mais longo de boa saúde, com sensação sustentada de bem-estar e longos períodos de engajamento social e produtividade. Mas a maioria envelhecerá em pobreza, padecendo de doenças crônico-metabólicas e de incapacidades físicas e/ou mentais que comprometerão sua qualidade de vida, com custos sociais que serão excessivos ao cidadão contribuinte tradicional. Leia-se: muita demanda por serviços públicos (sobretudo saúde e previdência) sustentados por base mínima de arrecadação, implicando em benefícios menos ou que simplesmente inexistirão.
Apesar das reiteradas referências ao ano de 2050, o processo de envelhecimento demográfico no mundo se estenderá ao menos até o ano de 2100, quando aqueles que nasceram há pouco estarão próximos a entrar em suas oitava ou nona década de vida. Até esta época, já se reconhecerá bem outra face do envelhecimento demográfico: o encolhimento das populações. O Brasil deverá continuar crescendo até 2050, quando atingiremos pouco mais de 230 milhões, mas regredirá em seguida. Até 2100, vários países do mundo terão populações reduzidas à metade do que têm hoje, a exemplo de Japão, China, Espanha, Itália e Tailândia. Projeta-se um Brasil com população reduzida em 50 milhões de habitantes em relação aos 210 milhões de hoje, regressando a um contingente semelhante ao que tínhamos em meados da década de 1990. Pode-se prever redução do PIB total do país por encolhimento da população economicamente ativa, cenário pode condenar o Brasil a permanecer por todo o século como “país em desenvolvimento” (eufemismo ao status de “cronicamente inviável”, perdendo posições no ranking econômico para países emergentes que evoluem a passos largos, como Nigéria), caso um desenvolvimento econômico mais pujante não venha a ser conquistado por nós até a metade do corrente século. Tais projeções devem motivar as famílias a desenvolverem fontes lucrativas e sustentáveis de renda ativa e passiva, em face da possibilidade de não mais podermos contar com benefícios previdenciários no futuro.
*Em meio a este contexto, o Brasil acaba de ultrapassar a marca de 140 mil mortes por COVID-19, onde mais de 70% destas vítimas fatais são pessoas idosas, e com reflexos ainda por se definir sobre a pirâmide etária e a estrutura social brasileiras. Cabe ressaltar que o país ocupa o posto de segundo lugar em número absoluto de mortes (70 vítimas por 100 mil pessoas, ou 0,07% da população), e que a pandemia não mostra sinais de arrefecimento, trazendo a importante mensagem de que é necessário continuar com as ações de prevenção e que é imperativo resguardar nossos idosos do contágio, apesar de o poder público paulatinamente vir flexibilizando as medidas de distanciamento físico em várias cidades. O cuidado deve ser redobrado no Distrito Federal, onde a Nota Técnica sobre a Situação da Pandemia de Covid-19 no Brasil, publicada em 27/09/2020 e assinada por pesquisadores em instituições como UFSJ, IFBA, Unifesp e UnB, entre outras, aponta para índices alarmantes de circulação do vírus, de percentual da população já infectada pelo vírus e de total de mortes já ocorridas por milhão de habitantes, em patamares superiores aos da maioria das outras unidades da Federação. Hoje, a adesão às práticas de higiene recomendadas pelas autoridades de saúde se configuram sobretudo como um ato de consideração para com as pessoas idosas. Nestas poucas linhas, reitero meu respeito às pessoas idosas, que construíram a sociedade em que vivemos. Como habitualmente digo, o que temos (muito ou pouco), devemos às realizações deles(as). [2]
[1] Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay.
[2] Otávio de Tolêdo Nóbrega é professor da Universidade de Brasília. Orientador de mestrado/doutorado. Atua em temas como Biotecnologia, Imunologia, Patologia e Epidemiologia aplicadas aos campos da Geriatria/Gerontologia. Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Editor-Associado do periódico Geriatrics, Gerontology and Aging (ISSN 2447-2115). Conselheiro Titular do Conselho dos Direitos do Idoso do Distrito Federal – CDI/DF (2020-2022).
Como citar este artigo: UnB. Pobre Brasil que Envelhece Pobre. Texto de Otávio de Toledo Nóbrega. Saense. https://saense.com.br/2021/10/pobre-brasil-que-envelhece-pobre/. Publicado em 01 de outubro (2021).