ESO
02/03/2022
Em 2020 uma equipe liderada por astrônomos do Observatório Europeu do Sul (ESO) anunciou a descoberta do buraco negro mais próximo da Terra, situado a apenas 1000 anos-luz de distância no sistema HR 6819. No entanto, estes resultados foram contestados por outros grupos de pesquisadores, entre eles uma equipe internacional sediada na KU Leuven, Bélgica. Num artigo publicado hoje, as duas equipes se uniram para anunciar que, de fato, não existe nenhum buraco negro em HR 6819, que é, em vez disso, um sistema “vampiro” de duas estrelas num estágio raro e de curta duração da sua evolução.
O estudo original de HR 6819 recebeu especial atenção por parte tanto da imprensa como dos cientistas. Thomas Rivinius, astrônomo do ESO no Chile e autor principal do artigo na época, não ficou surpreso com a reação da comunidade astronômica à sua descoberta do buraco negro. “Não só é normal, como é desejável que os resultados sejam bem examinados”, disse ele, “e um resultado que chega a notícia de primeira página ainda mais.”
Rivinius e colegas estavam convencidos que a melhor explicação para os dados que tinham obtido, com o telescópio MPG/ESO de 2,2 metros, era que HR 6819 fosse um sistema triplo, com uma estrela orbitando um buraco negro a cada 40 dias e uma segunda estrela em uma órbita muito mais afastada. No entanto, um estudo liderado por Julia Bodensteiner,então estudante de doutorado na KU Leuven, Bélgica, propôs uma explicação diferente para os mesmos dados: HR 6819 podia ser também um sistema com apenas duas estrelas em uma órbita de 40 dias e sem nenhum buraco negro. Este cenário alternativo necessitaria que uma das estrelas estivesse “despida”, ou seja, que numa fase anterior, tivesse perdido uma enorme fração da sua massa para a outra estrela.
“Tínhamos chegado ao limite dos dados existentes, por isso tivemos que nos virar para uma estratégia observacional diferente para decidir entre os dois cenários propostos pelas duas equipes”, disse a pesquisadora da KU Leuven, Abigail Frost, que liderou o novo estudo publicado hoje na revista Astronomy & Astrophysics.
Para resolver este mistério, as duas equipes trabalharam em conjunto para obter dados novos e mais nítidos de HR 6819, usando para isso o Very Large Telescope (VLT) do ESO e o Interferômetro do VLT (VLTI). “O VLTI era a única infraestrutura que nos daria os dados decisivos que precisávamos para distinguir entre os dois cenários”, disse Dietrich Baade, autor tanto do estudo original de HR 6819 como do novo artigo na Astronomy & Astrophysics. Como não fazia sentido pedir a mesma observação duas vezes, as duas equipes uniram forças, o que lhes permitiu reunir seus recursos e conhecimentos para encontrar a verdadeira natureza desse sistema.
“Os cenários que procurávamos eram bastante claros, diferentes e facilmente distinguíveis usando o instrumento certo”, disse Rivinius. “Concordávamos que havia duas fontes de luz no sistema, por isso a questão era saber se orbitavam em torno uma da outra descrevendo órbitas próximas, como no cenário da estrela “despida”, ou se, pelo contrário, se encontrariam afastadas uma da outra, como no cenário do buraco negro”.
Para distinguir entre as duas hipóteses, os astrônomos usaram os instrumentos GRAVITY, montado no VLTI, e MUSE (Multi Unit Spectroscopic Explorer), do VLT do ESO.
“O MUSE confirmou que não existe nenhuma companheira brilhante numa órbita mais afastada, enquanto a resolução espacial do GRAVITY foi capaz de distinguir duas fontes brilhantes separadas por apenas um terço da distância entre a Terra e o Sol”, disse Frost. “Esses dados provaram ser a peça final do quebra-cabeça e nos permitiram concluir que o HR 6819 é um sistema binário sem buraco negro”.
“A nossa melhor interpretação até agora é que estamos observando este sistema binário pouco tempo depois de uma das estrelas ter “sugado” a atmosfera da sua estrela companheira. Trata-se de um fenômeno comum em sistemas binários próximos referido por “vampirismo estelar”, explica Bodensteiner, atualmente bolsista do ESO, na Alemanha, e autor do novo estudo. “Ao mesmo tempo que a estrela doadora se viu “despida” de parte de seu material, a estrela receptora começou a girar mais rapidamente”.
“Observar tal fase de pós-interação é extremamente difícil, já que a sua duração é muito curta”, acrescenta Frost. ”É isso que torna a nossa descoberta tão interessante, nos apresentando um candidato perfeito para estudar como é que este tipo de vampirismo afeta a evolução de estrelas massivas e, por sua vez, a formação de fenômenos associados, incluindo ondas gravitacionais e violentas explosões de supernova”.
A recém-formada equipe conjunta Leuven-ESO agora planeja monitorar o HR 6819 mais de perto usando o instrumento GRAVITY do VLTI. Os pesquisadores realizarão um estudo conjunto do sistema ao longo do tempo, para entender melhor sua evolução, restringir suas propriedades e usar esse conhecimento para aprender mais sobre outros sistemas binários.
Quanto à busca por buracos negros, a equipe continua otimista. “Os buracos negros de massa estelar continuam a ser muito elusivos devido à sua natureza”, disse Rivinius. “No entanto, as estimativas prevêem que existam dezenas a centenas de milhões de buracos negros só na nossa Via Láctea”, acrescenta Baade. Trata-se apenas de uma questão de tempo até os astrônomos os encontrarem. [2], [3]
[1] Crédito: ESO/L. Calçada
[2] Esta pesquisa foi apresentada no artigo intitulado “HR 6819 is a binary system with no black hole: Revisiting the source with infrared interferometry and optical integral field spectroscopy” (DOI: 10.1051/0004-6361/202143004) publicado na revista Astronomy & Astrophysics.
[3] Este texto foi traduzido por Margarida Serote (Portugal) e adaptado para o português brasileiro por Eugênio Reis Neto
Como citar este texto: ESO. Sistema “com buraco negro mais perto de nós” encontrado sem nenhum buraco negro. Tradução de Margarida Serote e Eugênio Reis Neto. Saense. https://saense.com.br/2022/03/sistema-com-buraco-negro-mais-perto-de-nos-encontrado-sem-nenhum-buraco-negro/. Publicado em 02 de março (2022).