Jornal da USP
18/05/2022

Rede internacional de telescópios capta primeira imagem do buraco negro que fica no centro da Via Láctea
Primeira imagem do Sgr A*, buraco negro no centro da Via Láctea – Foto: Event Horizon Telescope Collaboration

Sagitário A* (ou Sgr A*) é um objeto astronômico de massa 4 milhões de vezes maior que a do nosso Sol que fica no centro da Via Láctea. Fonte de especulação e intensos estudos há décadas, a teoria mais popular entre os astrônomos era de que fosse um buraco negro, mas as evidências disso eram indiretas. Até agora.

Hoje, dia 12 de maio de 2022, a equipe do Event Horizon Telescope Collaboration anunciou a primeira imagem do Sgr A*, obtida através da colaboração de mais de 300 pesquisadores, oito instituições e oito telescópios espalhados ao redor do globo. Em 2019, o grupo já havia divulgado a imagem de um outro buraco negro supermassivo no centro da galáxia Messier 87 (M87*), a primeira imagem de um buraco negro da história.

O astrofísico Rodrigo Nemmen explica que, apesar de um buraco negro em si não ser visível, o gás que orbita ao redor dele é acelerado em alta velocidade, emitindo uma grande quantidade de luz e calor e formando a estrutura brilhante em forma de anel que permite distinguir a silhueta da “sombra” dele. Nemmen é líder do Grupo de Buracos Negros da USP, que acompanhou e comentou ao vivo o anúncio no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) no campus da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo.

O Sgr A* é 1500 vezes menor do que o M87*, mas 2000 vezes mais próximo da Terra, o que faz com que as imagens dos dois sejam relativamente parecidas. Por ser muito menor, a massa de gás ao redor do Sgr A* orbita ao redor dele muito mais rápido, fazendo sua aparência mudar drasticamente em questão de minutos, o que dificultou a coleta dos dados usados para gerar a imagem. Nemmen esclarece, por exemplo, que é devido a essa natureza turbulenta que a imagem mostra três pontos mais brilhantes, diferente da foto anterior do M87* em que há somente um.

Além disso, o M87* acumula matéria em um ritmo muito mais rápido e lança um feixe de luz e partículas — chamado de jato — que se estende até as fronteiras de sua galáxia. Já o Srg A* é bem menos eficiente, convertendo apenas um milésimo da sua energia gravitacional em luz, e não possui um jato.

Isso faz dele um objeto de pesquisa especialmente interessante, por sem bem mais representativo do comportamento médio de um buraco negro: “O M87* era empolgante por ser extraordinário. O Srg A* é empolgante por sem comum”, comentou Michael Johnson, um dos pesquisadores que apresentou o anúncio da descoberta na conferência transmitida hoje.

De acordo com os pesquisadores, a análise dos dados mostrou que tanto as medidas do diâmetro do anel observado na imagem e as estimativas para essa medida calculadas a partir do efeito gravitacional do buraco negro nas estrelas ao redor coincidem com o valor previsto pelas teorias da Relatividade Geral de Albert Einstein, corroborando o atual consenso científico sobre o funcionamento das leis da gravidade.

“Agora sabemos que nos dois casos a sombra que vemos no meio não é uma coincidência: é o coração do buraco negro. Essas duas imagens são parecidas pois são consequência de forças fundamentais da gravidade, consistente com as previsões da Teoria da Relatividade Geral de Einstein”, explicou a astrofísica Feryal Özel, da Universidade do Arizona, que também participou da apresentação.

Como funciona o Event Horizon Telescope

Para fazer as observações necessárias para obter essa imagem com um único telescópio, esse equipamento teria que ter o tamanho da Terra. Como isso é impossível, a solução é usar uma rede de telescópios espalhados em localidades estratégicas pelo planeta, cujas imagens são combinadas para criar um telescópio virtual com a capacidade de visualização análoga à de um telescópio de dimensões planetárias, o Event Horizon Telescope.

A imagem do Sgr A* exigiu a inclusão na rede de um novo telescópio, instalado no Polo Sul, em adição aos outros sete (dois deles localizados nos EUA, um na França, um no Chile, um no México e outro na Groenlândia) que já haviam sido usados para a do M87*, divulgada em 2019.

A quantidade gigantesca de dados coletada pelo EHT é combinada com informações sobre a sensibilidade de cada um dos telescópios individuais por supercomputadores e então processada pelos cientistas através de diversos algoritmos. Eles reconstroem a imagem através de dezenas de milhares de métodos diferentes e então juntam a média de todos esses resultados para enfatizar os elementos mais importantes e chegar à melhor imagem possível do buraco negro, cujas características são então usadas para criar simulações de como esse corpo celeste se comporta.

A partir de agora, o objetivo da equipe é refinar a tecnologia e adicionar vários novos telescópios à rede para não só conseguir imagens mais nítidas, mas também vídeos que permitam observar buracos negros em atividade.

Mais informações: site https://blackholegroup.org/home/home-pt/. [1]

[1] Texto de Sebastião Moura.

Como citar este texto: Jornal da USP. Rede internacional de telescópios capta primeira imagem do buraco negro que fica no centro da Via Láctea.  Texto de Sebastião Moura. Saense. https://saense.com.br/2022/05/rede-internacional-de-telescopios-capta-primeira-imagem-do-buraco-negro-que-fica-no-centro-da-via-lactea/. Publicado em 18 de maio (2022).

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