Jornal da USP
22/02/2023
Por Dalton de Souza Amorim, entomólogo e professor titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP
Baleias, dinossauros, arraias-jamanta, leões, elefantes e capivaras. As pessoas, as crianças inclusive, sabem bastante sobre a biodiversidade. Mas sabem sobre a biodiversidade que elas veem, na natureza ou em documentários, livros etc. Quanto isso representa em relação à diversidade total? Os vertebrados representam 3,2% da biodiversidade já descrita. As plantas representam 16,3%. Onde estão os outros 80,5%? Sim, a maior parte da diversidade é de organismos pequeninos.
Uma vez que são pequenos e mais difíceis de encontrar e estudar, há ainda muito mais espécies não conhecidas de organismos pequenos do que de grandes! Os insetos são mais da metade da biodiversidade já descrita. Mas se conseguíssemos descrever toda a diversidade de insetos (talvez cinco ou dez milhões de espécies), provavelmente corresponderiam a uma porcentagem ainda maior. Cigarrinhas, mosquinhas, besouros, mariposas, libélulas, louva-a-deus, baratinhas, gafanhotos, grilos, pulgas, mosquitinhos, bigatos, mindinhos, efêmeras, colêmbolos, paquinhas, maria-fedida— a lista é enorme. Não há sequer nomes populares para a maioria dos grupos. E cada nome desses, de fato, se aplica não a uma espécie, mas a um grupo de espécies.
No mundo, há 350.000 espécies conhecidas de besouros, 180.000 espécies de mosquinhas, 120.000 espécies de vespas e abelhas, 175.000 espécies de mariposas e borboletas, 90.000 espécies de percevejos e cigarras etc. Estamos mais acostumados com as espécies chamadas de “sinantrópicas”, ou seja, associadas à espécie humana e aos ambientes urbanizados (barata doméstica, abelha europeia, mosca doméstica, pernilongos etc.).
Quase todos os insetos são completamente inofensivos para nós, isto é, não trazem qualquer tipo de problema para a espécie humana. Ao contrário, muitos dos insetos são responsáveis por atividades que nos beneficiam. Muitas espécies de mosquitinhos da família Ceratopogonidae são responsáveis pela polinização… do cacau! Obrigado, ceratopogonídeos! Especialmente as mosquinhas da família Syrphidae, mas também mosquinhas da famíia Tachinidae, são responsáveis por quase 30% de toda a polinização no mundo. Sim, as abelhas e borboletas também polinizam nossos jardins e nossos pomares. Quando essas espécies começam a faltar, pelo uso irracional de agrotóxicos, além de poluição nos rios, começa a não haver polinização em lavouras.
Não vemos a maior parte dos insetos porque eles são pequenos e são mais abundantes em ambientes naturais — florestas, cerrados, manguezais, caatingas, Pantanal, Pampas, antes que eles sejam impactados pela ação humana —, onde costumamos ir muito raramente. Quando adultos não especialistas e crianças vão a ambientes com mais vegetação acompanhados de entomólogos profissionais (cientistas que estudam diversidade de insetos), começam a se dar conta da enorme quantidade de insetos que estão ali e da enorme diversidade de formas, cores e biologias desses insetos. Ainda melhor quando é possível olhar insetos ao microscópio, quase sempre se apaixonam! São realmente lindos.
Há a questão do número de espécies de insetos, mas também há a questão da diversidade de biologias dos insetos. Há insetos predadores de outros insetos; há insetos parasitoides de outros insetos; há insetos cujas larvas comem cogumelos; outros que polinizam flores; outros que fazem caminhos dentro de folhas, comendo células vegetais; outros insetos vivem em riachos e comem matéria vegetal em decomposição e outros ainda vivem em água acumulada em ocos de árvore ou em bromélias; há insetos que comem cadáveres de vertebrados se decompondo e mesmo fezes de animais; há insetos cujos adultos praticamente não se alimentam e apenas se reproduzem, as fêmeas colocando ovos, resultando em novas larvas ou ninfas; há mosquinhas cujas larvas se alimentam de tecido de outros insetos capturados por aranhas; há mosquitinhos que se alimentam do sangue de mariposas. A quantidade de biologias diferentes entre os insetos é muito impressionante.
Assim, quando passa o correntão em uma área de floresta ou quando ela é queimada, quantas espécies de insetos são afetadas? Essa é uma pergunta ainda sem resposta clara. Há um projeto em andamento que deve responder a essa pergunta nos próximos anos. Por enquanto, estima-se que 100.000 espécies diferentes de insetos em uma localidade qualquer na Amazônia podem ser afetadas quando uma área de floresta é removida. Esse é um número impressionante, para uma destruição que leva algumas horas. A perda dos ambientes naturais traz um impacto econômico de diferentes pontos de vista — incluindo fármacos, perda de água, destruição do solo, disseminação de transmissores de doenças etc. Além das questões ética e estética que devemos considerar com intensidade.
Os insetos surgiram há cerca de 450 milhões de anos, no Ordoviciano, provavelmente logo depois que as plantas começaram a ocupar os ambientes terrestres. Os fósseis de insetos mais antigos conhecidos são do Devoniano, com 400 milhões de anos, já com algumas especializações. De lá para cá, o planeta mudou muito. Continentes se juntaram e se separaram, formando e fechando novos oceanos. As plantas — no começo, apenas pequenas, parecidas com os musgos atuais — gradualmente cresceram. Surgiram as samambaias, que chegaram a ser tão altas que formaram florestas, que até então não existiam. A quantidade de florestas foi tão grande que capturou grandes quantidades de gás carbônico da atmosfera, gerando o inverso do efeito estufa, resultando em uma glaciação gigantesca no planeta no Carbonífero. Com muito oxigênio, alguns insetos (que não têm diafragma para respirar, como nós) puderam crescer muito e chegar a quase 80 centímetros. Surgiram as cicas e as coníferas. Cadeias montanhosas se formaram.
Continentes grandes formaram áreas desérticas. Mais “recentemente”, há menos de 250 milhões de anos, no Jurássico, surgiram as plantas com flor, no começo também pequenas. Ao longo do Cretáceo, espécies desse novo grupo de plantas foram ficando cada vez maiores, começando a formar florestas de angiospermas. Muitas dessas florestas sobreviveram ao impacto do meteoro, há 66 milhões de anos, substituindo amplamente as florestas de pinheiros. Ao mesmo tempo que um subgrupo de dinossauros com penas conseguiu sobreviver e se diversificou como as aves atuais, nos últimos 60 milhões de anos se formaram florestas tropicais, com copas fechadas, formando cadeias ecológicas altamente complexas.
Nesse tempo, de quase meio bilhão de anos, as espécies de insetos foram se dividindo em novas espécies e se modificando em direções diferentes. Os vários grupos atuais de insetos — de colêmbolos e libélulas e abelhas e mosquinhas — foram aparecendo e se diversificando nesse tempo. Mas… os insetos são pequenos e pouco conhecidos. Mesmo em ambientes bastante impactados, como praças, terrenos baldios ou parques em cidades, há uma enorme quantidade de espécies de diferentes grupos, tamanhos e formas. Alguém com os olhos bem treinados pode ensinar você a ver os insetos. E também ainda os grupos raros e especiais (como as figurinhas raras de álbuns), em ambientes naturais. Se puder, visite florestas e cerrados, caatingas e mangues, procurando as espécies mais diferentes e raras. Cuide das reservas biológicas, proteja os parques nacionais.
[1] Foto: Lilly M / Wikimedia Commons, CC BY 2.5.
Como citar este texto: Jornal da USP. O lugar dos insetos na biodiversidade. Texto de Dalton de Souza Amorim. Saense. https://saense.com.br/2023/02/o-lugar-dos-insetos-na-biodiversidade/. Publicado em 22 de fevereiro (2023).