Jornal da USP
27/05/2024
Uma pesquisa em parceria entre a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP verificou a efetividade da campanha vacinal na incidência dos casos de dengue no Paraná em indivíduos vacinados com a vacina contra dengue Dengvaxia.
Avaliando as pessoas que foram vacinadas no Paraná entre os anos de 2016 e 2018 por meio de campanha promovida pelo Estado, os pesquisadores encontraram uma redução significativa nos casos de dengue. “A campanha esteve associada a uma redução de 21% no risco de dengue na população vacinada. Mas esse benefício não foi homogêneo na população”, expõe Fredi Diaz-Quijano, professor da FSP e primeiro autor do estudo divulgado na The Lancet Regional Health. “A verdade é que houve um forte benefício em pessoas que tinham histórico de dengue. Nelas, a redução do risco foi de 71%, enquanto não houve benefício significativo em pessoas que não tinham esse antecedente”, explica.
A vacina CYD-TDV (Dengvaxia) foi a primeira vacina contra dengue aprovada no Brasil, em 2015. A Dengvaxia, produzida pelo laboratório Sanofi Pasteur, é feita a partir do vírus da febre amarela atenuado – o vírus ainda vivo, mas enfraquecido – com a inserção de genes dos diferentes tipos do vírus da dengue em sua estrutura genética. Não há disponibilidade da vacina no SUS, devido às recomendações da OMS de vacinar apenas indivíduos com soropositividade para dengue, feitas em 2017.
Além da efetividade da campanha de vacinação, o estudo demonstrou a importância da vigilância epidemiológica no Brasil. Os dados utilizados para confirmar os antecedentes de dengue na pesquisa foram dos sistemas de vigilância dos municípios. Diaz-Quijano conta que esse é um dos achados mais interessantes do estudo, porque “podemos utilizar a informação técnica que já está disponível para orientar ou escolher candidatos para uma vacina”.
Comparação com a população geral
O Paraná enfrenta surtos de dengue desde a década de 1990 e, em 2015, com a liberação da vacina, foi realizada uma campanha de vacinação com a Dengvaxia, com início em 2016 e término em 2018, que abrangeu 30 cidades do Estado. Entretanto, em 2018 a OMS alterou a sua recomendação, indicando que a vacina Dengvaxia fosse aplicada somente em pacientes com exames que comprovassem o histórico de dengue.
Em outras pesquisas na região, os pesquisadores compararam indivíduos com características sociais e ambientais muito semelhantes, anulando a diferença que o estudo buscava observar entre os vacinados e não vacinados. No entanto, na pesquisa da UFPR em parceria com a USP, a comparação analisada foi entre os casos da doença e a população geral.
“Estimar a efetividade de uma vacina pode representar vários desafios. Usualmente, compara-se a frequência da vacinação em um grupo de casos da doença com aquela em controles sadios ou com outro tipo de problemas de saúde.”, conta Diaz-Quijano. “A gente percebeu que comparando casos com controles, saíam resultados contraintuitivos, como o de que a vacina não servia. Mas se eu seleciono alguns controles e pondero esses controles, para que se assemelhem àquela população, isso me permite alinhar outras análises, incluindo a modificação do efeito de benefício ou não benefício”, completa.
No estudo, foram incluídos os municípios que participaram da campanha de 2016 a 2018 e que notificaram casos de dengue entre 2019 e 2020, com indivíduos na faixa etária de 15 a 27 anos durante a campanha.
Eficácia em indivíduos com histórico de dengue
A vacina Dengvaxia apresentar um bom resultado com pacientes que têm histórico, enquanto que pode aumentar o risco de infeção por um dos tipos do vírus, o sorotipo 2, de pacientes que nunca foram expostos à dengue, tem como principal explicação, atualmente, um fenômeno chamado imunopotenciação, uma intensificação da resposta imunológica.
Nos casos de dengue, há um risco aumentado quando uma pessoa se infecta pela segunda vez, que geralmente é mais grave. No caso da Dengvaxia, explica Diaz-Quijano, a vacina tem uma resposta imunológica semelhante à de infecção. Na infecção secundária, como é chamada essa segunda contaminação, os anticorpos da infecção anterior parecem “facilitar que o vírus ingresse nas células e favorece que haja uma replicação, e uma resposta inflamatória exagerada”, explica o pesquisador.
Assim, em indivíduos que já estiveram expostos a um dos sorotipos da dengue, ao serem vacinados, adquirem um reforço que protege para futuras infeções. Já naqueles que não têm histórico da doença, a vacina conta como primeira infecção e, ao entrarem em contato com a doença novamente, pode acontecer a imunopotenciação, que explicaria o maior risco.
Para Diaz-Quijano, as vacinas são uma ferramenta de grande valor no combate à dengue, mas elas não apresentam 100% de eficácia. “Não devemos esquecer a importância da vigilância entomológica, do controle do entorno. Toda a população tem um papel também, de controlar e eliminar os criadouros, evitar infestações dos vetores e todas essas medidas que as pessoas já conhecem”, finaliza.
Mais informações: Fredi Diaz-Quijano, e-mail frediazq@usp.br [1], [2]
[1] Texto de Gabriele Mello
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/vacinacao-em-massa-reduz-dengue-no-parana-entre-pessoas-que-ja-tiveram-a-doenca/
Como citar este texto: Jornal da USP. Vacinação em massa reduz dengue no Paraná entre pessoas que já tiveram a doença. Texto de Gabriele Mello. Saense. https://saense.com.br/2024/05/vacinacao-em-massa-reduz-dengue-no-parana-entre-pessoas-que-ja-tiveram-a-doenca/. Publicado em 27 de maio (2024).