UFRGS
03/09/2024
A expressão “Chão de escola” não é apenas uma referência simples ao cotidiano escolar; ela encerra em si uma complexidade que se desdobra em diferentes interpretações e implicações. Ao evocar a imagem do “chão de fábrica” do capitalismo, ela suscita reflexões sobre as divisões de trabalho e poder na sociedade. Essa analogia ressalta uma realidade muitas vezes negligenciada: a divisão entre aqueles que supostamente “pensam” e os que executam, uma dicotomia que também permeia o ambiente educacional.
Nesse contexto, a figura do professor frequentemente é relegada ao papel de mero executor, enquanto as decisões são tomadas em esferas distantes da sala de aula. A imposição de diretrizes por meio de materiais didáticos padronizados, consultorias externas e a falta de participação democrática na gestão escolar são alguns dos desafios enfrentados pelos educadores no seu dia a dia.
Essa dinâmica, corroborada pela minha própria experiência, resulta em práticas que muitas vezes culpabilizam os professores por problemas estruturais do sistema educacional. A avaliação baseada em testes padronizados e a busca por soluções simplistas, dissociadas da realidade escolar, apenas reforçam essa narrativa de culpabilização.
No que é uma realidade compartilhada por muitas colegas professoras, essas avaliações geram uma imposição que culmina em uma culpabilização dos professores por baixos índices educacionais que atribuem classificações numéricas (em exames como o SAEBS, SAERS) ao aplicarem provas fora da realidade escolar que visam avaliar o “sucesso” ou “insucesso” acadêmico.
A resposta dada como solução são formações distantes da realidade escolar e materiais “estruturados” que surgem como grandes “salvadores do sistema educacional”.
Esse modelo de educação Paulo Freire denomina de “educação bancária”, quando o conhecimento é tratado como um depósito a ser feito nos alunos, cabendo ao professor apenas transmitir esse conteúdo. Essa abordagem limita a criatividade e a mudança, transformando tanto educadores quanto educandos em meros arquivadores de informações. Tal realidade é vista em muitas formações de professores em que, mesmo tendo uma extensa bagagem de conhecimentos e de práticas, estes participam apenas como ouvintes, como se seu trabalho se reduzisse a assimilar e reproduzir uma cartilha de práticas que supostamente salvariam a educação.
No entanto, é nos bastidores do “chão de escola” que se encontram as verdadeiras sementes de transformação. Professores que atuam nesse contexto se tornam não apenas transmissores de conhecimento, mas também pesquisadores e agentes de mudança. É a partir dessa base que surgem as reflexões críticas e as práticas inovadoras que podem revolucionar a educação.
Portanto, é essencial ouvir e valorizar a voz dos professores que estão no chão da escola. Esse chão é solo fértil para a emancipação, e também para a reflexão, a pesquisa e a construção do conhecimento. Que o professor que está em sala de aula possa ser ouvido, que sua experiência seja validada, refletida e que desse solo germinem as mudanças que tanto desejamos para a educação. Uma educação verdadeiramente transformadora. [1], [2]
[1] Texto de Jeruza Santos Nobre
[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/precisamos-ouvir-o-professor-que-esta-no-chao-da-escola/
Como citar esta notícia: UFRGS. Precisamos ouvir o professor que está no chão da escola. Texto de Jeruza Santos Nobre. Saense. https://saense.com.br/2024/09/precisamos-ouvir-o-professor-que-esta-no-chao-da-escola/. Publicado em 03 de setembro (2024).