Hendrik Macedo
28/03/2019

Grafite na parede de uma criança traficada. [1]

Nesta quinta-feira, 28/03/2019, a grande imprensa noticiou centenas de mandados de busca e apreensão referentes à 4ª fase da operação nacional “Luz na Infância”, deflagrada pelo Ministério da Justiça e polícias civis de todos os 26 estados brasileiros e Distrito Federal. Essa operação apura crimes na Internet praticados contra crianças e adolescentes, referentes à produção, armazenamento e compartilhamento de pornografia. Desde o fim de 2017, a operação já prendeu mais de 500 pessoas em todo Brasil. Triste saber que a extensão dos crimes praticados contra as crianças, grupo especialmente vulnerável, é muito maior em todo o mundo; crianças são particularmente vítimas de tráfico, seja com o propósito da pornografia lucrativa, prostituição ou mero abuso, seja como força de trabalho escravo em minas, plantações e fábricas, ou ainda para uso em atividades de roubo, mendicidade e até treinamento paramilitar. Segundo a UNICEF, mais de 1 milhão de crianças são traficadas anualmente, o que representa quase um terço de todas as vítimas identificadas de tráfico no mundo [2].

Em parceria com a empresa Adobe, pesquisadores desenvolveram uma máquina inteligente que pode auxiliar nas investigações contra esse tipo de crime [3]. A solução consiste de uma Rede Neuronal Convolucional (CNN) treinada para reconhecer quartos de hotéis em todo o mundo. Mais de um milhão de imagens de mais de 50 mil hotéis estão sendo usadas desde 2016. A abordagem consiste em identificar o hotel a partir das fotos tiradas das crianças em seus respectivos aposentos e que são disseminadas on-line pelos traficantes em forma de anúncios. A sacada é genial uma vez que, de fato, pessoas traficadas são constantemente levadas temporária ou permanentemente a estabelecimentos desse tipo. A referência (baseline) escolhida para comparação da performance do algoritmo proposto foram dois modelos pré-treinados. Um deles foi a rede Resnet50 treinada com a base ImageNet (ILSVRC-2012) [4]; a representação das características foi a saída da camada completamente conectada, de 1001 dimensões. A outra foi um modelo VGG treinado com a base Places365 [5]; nesse caso, a representação das características possui 512 dimensões como saída da camada final de pooling. Resultados obtidos tanto para a tarefa de encontrar imagens mais semelhantes a uma consulta específica quanto à de identificar o hotel dado uma imagem de entrada mostraram que a abordagem proposta é muito superior às referências de comparação.

A máquina está atualmente sendo usada por investigadores de tráfico de seres humanos do Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC), uma organização sem fins lucrativos com sede nos EUA e qualquer um de nós pode contribuir com a causa efetivamente. A maneira mais simples é através do portal https://traffickcam.com/, que foi criado para permitir o upload de fotos dos quartos de hotel que estejamos hospedados durante uma viagem de turismo ou a trabalho. Isso permite que a base de imagens aumente consideravelmente de forma colaborativa e, consequentemente, a máquina se torne cada vez mais capaz de reconhecer hotéis a partir dos anúncios feitos por traficantes. A outra maneira, voltada para pesquisadores e desenvolvedores, é aprimorar a solução através do reuso do código computacional criado pelos pesquisadores e disponibilizado publicamente no repositório GitHub [6].

Não sei ao certo o quanto cabe, mas isso tudo me fez lembrar de uma frase célebre atribuída a Platão: “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.”.

[1] Crédito da imagem: Pixabay, Pexels License.
https://www.pexels.com/photo/brick-child-trafficking-graffiti-grungy-276988/.

[2] Inter-Agency Coordination Group against Trafficking (ICAT). World Day against Trafficking in Persons, 29 de julho de 2018. https://www.unicef.org/press-releases/children-account-nearly-one-third-identified-trafficking-victims-globally.

[3] Stylianou, A., Xuan, H., Shende, M., Brandt, J., Souvenir, R., & Pless, R. (2019). Hotels-50K: A Global Hotel Recognition Dataset. arXiv preprint arXiv:1901.11397.

[4] He, K.; Zhang, X.; Ren, S.; and Sun, J. 2015. Deep residual learning for image recognition. CoRR abs/1512.03385.

[5] Zhou, B.; Lapedriza, A.; Khosla, A.; Oliva, A.; and Torralba, A. 2018. Places: A 10 million image database for scene recognition. IEEE Transactions on Pattern Analysis and Machine Intelligence 40(6):1452–1464.

[6] GWUvision. https://github.com/GWUvision/Hotels-50K.

Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Tráfico infantil: é grave, é perverso, mas tem solução e podemos ajudar… já! Saense. https://saense.com.br/2019/03/trafico-infantil-e-grave-e-perverso-mas-tem-solucao-e-podemos-ajudar-ja/. Publicado em 28 de março (2019).

Artigos de Hendrik Macedo Home