Jornal UFG
06/05/2021

Imagens de oito brasileiros, da esquerda para a direita: Linha 1: Daiane dos Santos, Akyboro Kayapó, Gisele Bündchen e Pelé. Linha 2: Ronaldo, Marina Silva, D. Pedro II e Carmen Miranda. [1]

Léo Carrer*

O Estado laico no Brasil nasceu, de forma oficial, com a primeira constituição republicana promulgada em 1891. O texto garantia a liberdade religiosa e a não adoção de uma religião oficial por parte do Estado. Apesar disso, o código penal brasileiro continuou a identificar determinadas práticas religiosas como crimes, especialmente o espiritismo e as religiões afro-brasileiras. Durante praticamente todo o século XX tais práticas religiosas sofreram diversas perseguições, tanto de forma física por parte do aparato policial, quanto de forma simbólica, tendo seus rituais e crenças expostos e retratados de forma pejorativa na imprensa de forma geral (GIUMBELLI, 1997; MAGGIE, 1992).

Esse é um belo exemplo de como o Estado Brasileiro falhou em garantir a liberdade de culto estabelecida no Brasil. Além dessas religiões que ainda sofrem com os resquícios dessa perseguição, membros de inúmeras outras religiões sofrem, todos os dias, com ações criminosas de desrespeito e atentados contra sua prática de culto, ou outras formas de discriminação social apenas por professarem uma determinada fé.

No Brasil são catalogados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) mais de 140 credos. Em um estado multicultural, caracterizado pelo pluralismo religioso, se faz extremamente importante oferecer condições de existência digna a cada uma delas, assim como oferecer a seus membros segurança não apenas de exercerem seus cultos, mas também a simples segurança de existirem, de não sofrerem qualquer tipo de violência física ou simbólica apenas por fazerem parte de determinada religião.

Cabe ao Estado, portanto, oferecer essas garantias. O direito de crer e de não crer (ateísmo) é um Direito Humano básico e fundamental, reconhecido por todos como de extrema importância em qualquer sociedade democrática e deve ser assegurado a todos. Para isso, cabe ao Estado não interferir na agenda religiosa, sendo neutro e imparcial em relação a todas elas. Um Estado Laico, portanto, não significa um Estado sem religião, muito pelo contrário: trata-se de um Estado que, por não ter uma posição religiosa oficial, é capaz de dar garantias à existência de todas as religiões que convivem em seu território.

Da mesma forma que um Estado Laico não interfere na agenda das várias religiões, ele também não pode ser afetado por elas. Isso porque as concepções religiosas possuem suas demandas sociais a partir de suas crenças estabelecidas e que dizem respeito apenas àqueles que compartilham daquelas crenças. As diferenças religiosas são notórias, e muitas vezes são o que levam a inúmeros conflitos religiosos quando uma determinada religião quer impor à outra ideias que só encontram sentido dentro de seu próprio sistema de crenças. Permitir que as políticas públicas sejam orientadas por uma visão religiosa específica é impor a todos os membros de uma sociedade (os que creem e os que não creem) os valores religiosos de uma religião em específico, em detrimento de todas as outras.

Esse é o segundo motivo pelo qual ter um Estado Laico seja tão importante. O Estado não pode ter sua política pautada por esta ou aquela religião, sob risco de acirramento das disputas e conflitos religiosos para determinar qual pensamento religioso dominará o cenário político. Além disso, e talvez principal, um Estado que não seja laico e que seja orientado por uma determinada visão religiosa se torna excludente a todas(os) as(os) outras(os) cidadãs(ãos) que não compartilham daquela visão religiosa. Por entendermos que a função do Estado seja a de garantir a existência, a liberdade e o pleno convívio de seus cidadãos, defendemos a existência do Estado Laico.

Referências

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

IBGE. Censo Demográfico 2010 – características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. [2]

[1] Fotos: Ricardo Stuckert/PR, Agência Brasil; Walter Campanato/AB, Agência Brasil; Tiago Chediak; Antônio Cruz/ABr, Agência Brasil; Valter Campanato/ABr, Agência Brasil; Mathew Brady/Levin Handy; Twentieth Century Fox TechnicolorComposition made by User:Dantadd – Ricardo Stuckert/PR, Agência Brasil, cc-by-2.5-Brazil149657.jpegValter Campanato/AB, Agência Brasil, cc-by-2.5-BrazilTiago Chediak, cc-by-2.0Ricardo Stuckert/PR, Agência Brasil, cc-by-2.5-BrazilAntônio Cruz/ABr, Agência Brasil, cc-by-2.5-BrazilValter Campanato/ABr, Agência Brasil, cc-by-2.5-BrazilMathew Brady/Levin Handy, 1876, public domainMovietrailer, 1964, public domain, CC BY-SA 2.5, Wikimedia Commons.

[2] Léo Carrer é doutor em História, docente da UEG, Campus Sudeste e integrante do Observatório do Estado Social Brasileiro. Email: leo.carrer@gmail.com.

Como citar este artigo: Jornal UFG. Porque o Estado Laico importa.  Texto de Léo Carrer. Saense. https://saense.com.br/2021/05/porque-o-estado-laico-importa/. Publicado em 06 de maio (2021).

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