Antônio Murilo Macedo
10/03/2017
Apesar do enorme sucesso da aplicação das leis da termodinâmica na análise de fenômenos da física clássica e quântica, a definição precisa do conceito de trabalho do ponto de vista da física quântica tem sido um enorme desafio e continua um problema aberto de importância fundamental. A questão central está ligada ao fato de que as leis da termodinâmica são proposições sobre valores médios e, portanto, se flutuações, ou seja, desvios da média, são observadas (como ocorre por exemplo em sistemas quânticos pequenos) então precisamos de uma descrição estatística mais detalhada dos processos envolvidos. As definições quânticas de trabalho e calor são peças centrais na construção desta descrição. Do ponto de vista da mecânica quântica, a principal dificuldade é que trabalho não é um observável do sentido usual, como a posição ou o momento linear de uma partícula, ou seja, não existe um operador trabalho [3]. Consequentemente a conexão usual entre observável e medição, ingrediente essencial para o sucesso quantitativo da teoria quântica, não é válida neste caso.
Um artigo recente [4] de um grupo de cientistas da Espanha, Suíça e Áustria apresentou um avanço significativo neste problema. Os autores mostraram a existência de um princípio quântico fundamental que proíbe a medição simultânea com precisão arbitrariamente alta de propriedades do trabalho quântico que reproduzam corretamente o limite clássico, obtido quando efeitos puramente quânticos são suprimidos do processo, e que também satisfaçam a primeira lei da termodinâmica. Estes dois aspectos do trabalho quântico seriam complementares no sentido quântico [5]. Esta proibição fundamental torna impossível uma definição universal de trabalho quântico que seja independente de contexto, ou seja de detalhes de como serão feitas as medições. No entanto, esquemas aproximados são possíveis e a questão central passa a ser a busca de protocolos gerais que produzam o menor erro possível nas medições das propriedades do trabalho quântico.
Uma das consequências importantes deste trabalho é a percepção de que a medição da substância de trabalho, por exemplo observar a gasolina durante o funcionamento do motor de um carro, pode afetar o rendimento da máquina se ela estiver operando no regime quântico. Intuitivamente o que foi estabelecido é que qualquer dispositivo usado para medir o trabalho quântico executado por uma máquina térmica perturba o processo de tal maneira que o rendimento da máquina é alterado. Esta dependência de contexto pode ter profundos impactos no desenvolvimento das leis básicas da termodinâmica quântica. Possíveis aplicações da teoria incluem a descrição termodinâmica do funcionamento de nanomotores moleculares e pinças óticas para manipulação individual de moléculas e átomos. O desenvolvimento de protocolos para maximizar o rendimento destes sistemas é sem dúvida um “tópico quente” da pesquisa contemporânea.
[1] Crédito da Imagem: AJC1 (Flickr) / Creative Commons (CC BY-SA 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/ajc1/6082457800/in/photolist-agubN5.
[2] A física clássica compreende as teorias da física que precederam a revolução da mecânica quântica. A mecânica newtoniana, a eletrodinâmica de Maxwell e a termodinâmica são exemplos de ramos da física clássica.
[3] Operadores na mecânica quântica são usualmente representados por matrizes. O hamiltoniano, por exemplo, é um operador (ou matriz) que contém a informação básica das diversas formas de energia do sistema.
[4] M Perarnau-Llobet et al. No-go theorem for the characterization of work fluctuations in coherent quantum systems. Phys Rev Lett 118, 070601 (2017).
[5] O princípio da complementaridade estabelece que existem propriedades quânticas, como por exemplo as naturezas corpuscular e ondulatória do elétron, que não podem ser determinadas completamente em uma mesma medição.
Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. Afinal, o que é trabalho quântico? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/03/afinal-o-que-e-trabalho-quantico/. Publicado em 10 de março (2017).