UFRGS
25/04/2025

Há alguns meses atrás, deparei-me com a seguinte pergunta em um post em uma rede social: o novo normal é patológico? A linha de raciocínio era de que todos nós estamos crescentemente tendendo a nos encaixar em algum CID (o famoso Código Internacional de Doenças), talvez como forma de procurar respostas a um sofrimento, cansaço e angústias (também crescentes).
No post em questão, discute-se brevemente que ter certas características não necessariamente significa se encaixar em um diagnóstico. Por exemplo, apresentar dificuldade para se concentrar não significa ter transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), e que estar triste não significa precisar de um antidepressivo, ou mesmo começar a gostar de algo não te torna uma pessoa com hiperfoco. A ideia é interessante, visto notarem-se muitas ondas de diagnósticos “do momento”.
Ao longo dos anos, muito se avançou em termos de “literacia” ou “alfabetização” em saúde mental da população. Aos menos familiarizados, esse conceito se refere à capacidade das pessoas de compreender, avaliar e utilizar informações úteis sobre saúde mental, e envolve a capacidade de reconhecer sinais de alerta, procurar ajuda de forma eficaz e contribuir para a construção de uma sociedade mais empática e inclusiva. Não há dúvidas que esforços no sentido da disseminação do conhecimento em saúde mental trazem benefícios em prol da identificação de sinais de alerta, promoção de hábitos de saúde e bem-estar.
Na esteira do assunto, o acesso à informação possibilitou que diagnósticos psiquiátricos acabassem por ser o “CID de bolso” para alguma dificuldade ou característica mais específica. Assim, se encontra a nomenclatura para a angústia e para o desconforto de forma rápida, assim como se encaixa em algo conhecido, embasado, que valida algo que pode parecer internamente estranho e sem sentido. Como consequência, sabe-se o que se “tem” e o grupo a que se pertence.
Olhar para o cenário de forma a levantar questões torna-se essencial. Será que não estamos sedentos por respostas rápidas e categóricas demais? Será que não estamos nos encaixando demais em patologias e sintomas e nos esquecendo de nos questionar o que essas características dizem sobre nossas relações, trabalho, dia a dia? E o que essa tendência tem a nos dizer sobre o nosso tempo e a nossa cultura?
Salienta-se a extrema relevância de diagnósticos corretos, sejam eles precoces (mas não precipitados) ainda na infância, sejam tardios, na adultez e velhice. Na prática, clínicos que trabalham com avaliação em saúde mental observam que receber um diagnóstico pode trazer muito sentido e extremo alívio e ressignificação de histórias de sofrimento emocional – trazendo impacto também para a vida que vem pela frente, como na busca por direitos, nas relações familiares, na busca por apoio. O ponto aqui não é negar a patologia e o sofrimento associado, mas pensar na relação que estabelecemos com esse conceito.
É importante refletir antes de cair na tentação de qualquer autodiagnóstico ou no CID de bolso. Como tu lidas com o teu sofrimento? Como ele pode estar inserido na tua história de vida e nas demandas atuais? Qual teu ponto de apoio em momentos difíceis – família, amigos, trabalho, exercício físico, hobbies, apoio psicológico? Como chegou até onde está e a que custo emocional/social e de saúde física/mental? E, por fim, o que as tuas angústias te comunicam? Tanto as perguntas como as respostas podem ser difíceis. Porém, são extremamente informativas das rotas a seguir e das ferramentas internas e externas a se lançar mão. [1], [2]
[1] Texto de Gabriella Koltermann
[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/o-que-tuas-angustias-te-comunicam/
Como citar esta notícia: UFRGS. O que tuas angústias te comunicam? Texto de Gabriella Koltermann. Saense. https://saense.com.br/2025/04/o-que-tuas-angustias-te-comunicam/. Publicado em 25 de abril (2025).