Josué Modesto dos Passos Subrinho
17/07/2025

O ensino médio é a etapa da educação básica onde o desempenho da rede estadual fica mais evidente, visto ela ser de atuação preferencial dos estados. Na educação infantil, compreendendo creche e pré-escola, a atuação preferencial é dos municípios e no ensino fundamental prevalece a chamada competência concorrente, isto é, tanto os municípios quanto os estados podem atuar na etapa, variando de estado a estado o grau de predominância das redes municipais. Nos últimos anos, alguns estados deram efetividade ao regime de colaboração com seus municípios, apoiando tecnicamente as redes educacionais municipais e, em alguns casos, desenvolveram políticas públicas de indução das melhores práticas visando ao aumento do atendimento na educação infantil e a melhoria da qualidade da aprendizagem no ensino fundamental.
Desde 2005, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) faz avaliações bianuais da aprendizagem dos estudantes dos 5º. e 9º. anos do ensino fundamental e da 3ª. série do ensino médio. Para isso são aplicadas provas de Língua Portuguesa e Matemática e respondidos questionários para esboço das condições socioeconômicas. Os resultados padronizados das provas produzem um índice de aprendizagem na escala de 0 a 10, o qual é multiplicado pela taxa de aprovação dos estudantes da etapa avaliada, na escala de 0 a 1, resultando no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Vejamos os índices de 2005, 2021 e de 2023 e as metas fixadas pelo INEP para serem atingidas em 2021. Nesse ano se encerraria o primeiro ciclo de aplicação do IDEB e ele deveria ser reformulado para um novo ciclo de aplicação. Os impactos da pandemia da covid 19 produziram questionamentos acerca da comparabilidade dos dados do ano de 2021 com os anos anteriores. A decisão do INEP foi aplicar as provas, em 2023, com o mesmo formato dos anos anteriores. Os resultados e metas são apresentados a seguir.
Os anos iniciais do ensino fundamental foi a única etapa da educação básica cujos resultados de aprendizagem expressos no IDEB se aproximaram, em 2023, da meta fixada para ser atingida em 2021 pelas redes públicas, conforme pode ser visto no quadro 1. Quanto aos anos finais do ensino fundamental, há uma maior distância entre a meta que deveria ser atingida em 2021 e os resultados alcançados em 2023. Esta diferença entre meta e resultados atinge o máximo no ensino médio. Os resultados acirraram o debate acerca da capacidade de nossas redes públicas promoverem a aprendizagem dos estudantes. Outro aspecto que tem suscitado discussões é a dificuldade de promover a equidade da aprendizagem entre os estudantes vinculados a distintos estratos de renda e às diferentes raças/cores, conforme definição oficial.
Além de ser a etapa da educação básica que ficou, em 2023, mais distante da meta do IDEB projetada para o ano de 2021, o ensino médio tem a característica de ainda não estar universalizado no Brasil. Em 2016, conforme pode ser visto no quadro 2, para o Brasil como um todo, apenas 68,2% dos jovens com idade de 15 a 17 anos frequentavam o ensino médio, entretanto 86,9% dos jovens nessa faixa etária frequentavam a escola. A diferença entre os dois percentuais representa os jovens que frequentavam a escola, mas ainda permaneciam no ensino fundamental, em decorrência das elevadas taxas de reprovação e das trajetórias escolares irregulares que acometem parte significativa das crianças e jovens do Brasil. Em 2024, para o Brasil, 76,7% dos jovens de 15 a 17 anos frequentavam o ensino médio, enquanto 93,4% deles, nessa faixa etária, estavam na escola. Há que se registrar dois importantes avanços entre os anos de 2016 e 2024: 1) o aumento do percentual de jovens de frequentando escola e 2) a discreta redução na diferença entre o percentual de jovens frequentando escola e os que estavam no ensino médio.
A heterogeneidade educacional do Brasil pode ser vista no quadro 2 que mostra a taxa líquida de frequência no ensino médio de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos. Em 2016, São Paulo apresentava a mais elevada taxa, 85,4%, enquanto Sergipe apresentava a mais reduzida, 50,9%. Entre os 10 estados com maiores taxas, encontravam-se 2 da região Sul, Paraná e Santa Catarina, 3 do Centro Oeste, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal, 2 do Sudeste, o já mencionado São Paulo e Minas Gerais, 2 do Norte, Roraima e Amapá e 1 do Nordeste, Ceará. Em 2024, o estado com a mais elevada taxa líquida de frequência do ensino médio era o Mato Grosso, com 83,5%, seguido por Ceará e São Paulo.
Entre os estados que mais avançaram no ranking de taxa líquida de escolarização destacam-se: Pernambuco, Ceará, Tocantins, Piauí, Sergipe, Bahia e Rondônia. Os que mais perderam posições relativas foram: Amapá, Acre, Espírito Santo, Roraima, Maranhão e Santa Catarina. Ressalta-se que entre os estados com perdas em posição relativa, apenas o Amapá apresentou redução na taxa líquida de escolarização entre 2016 e 2024.
A heterogeneidade de desempenho entre as unidades da federação também se verifica na medição da aprendizagem e taxa de aprovação das crianças e jovens no ensino fundamental e no ensino médio. Como já mencionado, o ensino médio é a etapa de predomínio absoluto da matrícula de jovens nas redes estaduais, sendo, portanto, a que pode expressar mais adequadamente a capacidade de produção de resultados educacionais dos respectivos sistemas estaduais. [1]
No quadro 3 são ordenadas as unidades da federação do maior ao menor IDEB atingido no ensino médio, nas redes estaduais, em 2023, e apresentados os respectivos IDEBs a partir de 2005, a posição no ranking das unidades e, finalmente, a meta fixada pelo INEP que deveria ter sido atingida em 2021.
Os dez estados com os mais elevados IDEBs, em 2023, foram: Goiás, Paraná, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Piauí, Pará, São Paulo, Mato Grosso e Tocantins. Destes apenas três alcançaram ou superaram, em 2023, a meta que deveria ter sido atingida em 2021: Goiás, Pernambuco e Piauí. Se observarmos os dez estados com maior crescimento de IDEB entre 2005 e 2023, teríamos em ordem decrescente: Piauí, Goiás, Pernambuco, Pará, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná, Ceará, Amazonas e Maranhão. Se listarmos os 10 estados com maiores IDEB, em 2023, notaremos que houve importante diferença de desempenho das redes estaduais em relação aos avanços expressos pelo IDEB. Desta forma, podemos selecionar sete estados que provavelmente foram os mais bem sucedidos na elevação dos níveis de aprendizagem e redução da reprovação dos estudantes em suas respectivas redes escolares de ensino médio e se colocaram, em 2023, entre os com maiores IDEB. Estes são: Piauí, Goiás, Pernambuco, Pará, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná e Ceará. [2]
Vamos descrever muito resumidamente as mudanças na legislação educacional nacional que tiveram importante impacto no crescimento das redes estaduais de educação do ensino médio.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, trouxe importantes novidades, entre as quais, a mais clara definição das despesas públicas que poderiam ser classificadas como de manutenção e desenvolvimento do ensino e as que estariam excluídas dessa classificação, coibindo, portanto, o uso de recursos públicos vinculados à educação para outras finalidades. Outro aspecto importante foi a exigência da titulação mínima em cursos superiores específicos para a formação de professores do ensino fundamental e ensino médio. [3]
O estabelecimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, FUNDEF, em 1996, permitiu uma significativa ampliação da matrícula naquela etapa da educação básica, especialmente nos estados e regiões menos desenvolvidas do Brasil. Há alguma controvérsia sobre os impactos nas redes estaduais de ensino médio, na medida em que 15 pontos percentuais do total de 25 da receita corrente líquida do estado vinculada à educação era transferida para o fundo contábil estadual e redistribuído entre o estado e seus municípios de acordo com a matrícula no ensino fundamental registrada em cada ente. Um dos efeitos da implementação do fundo foi a transferência para os estados da matrícula do ensino médio nos municípios que mantinham escolas ofertando essa etapa e a concentração dos municípios na oferta de matrículas do ensino fundamental. Em alguns estados o processo foi acompanhado pela transferência da matrícula do ensino fundamental da rede estadual para as redes municipais. [4]
Em 2006, o FUNDEF foi reformulado e transformado em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, FUNDEB. Além de abranger toda a educação básica, ao contrário do seu antecessor, o FUNDEB teve uma ampliação para 20% das receitas correntes líquidas do estado e dos municípios para a constituição do fundo e manteve a distribuição automática dos recursos para cada ente de acordo com a matrícula nas respectivas etapas prioritárias. Outra mudança importante foi a melhor definição da contribuição da União, fixada em 10% das receitas totais dos fundos a ser distribuída aos fundos estaduais com menores valores aluno ano. [5]
O FUNDEB foi transformado em mecanismo permanente previsto na Constituição Federal através da Emenda Constitucional N.108 de 26 de agosto de 2020. Além dessa, as principais mudanças foram: 1) aumentou a complementação da União aos fundos estaduais de 10% para 23% a ser incrementada anualmente, a partir de 2021 até 2026; 2) Dividiu a complementação da União em três parcelas: a parcela Valor Aluno Ano Fundo, VAAF, a Valor Aluno Ano total, VAAT e a Valor Aluno Ano Resultado, VAAR. 3) A complementação VAAF, equivalente a 10% do total dos fundos, mantinha a sistemática anterior de contemplar os fundos estaduais com menor valor por aluno; 4) A parcela VAAT aumentou o caráter distributivo dos fundos ao levar em conta o total de recursos aplicados pelas unidades da Federação em educação básica e repassar recursos do Tesouro Nacional aos entes cujos valores ficassem abaixo do valor mínimo calculado anualmente. Um número expressivo e crescente de municípios, mesmo que localizados em estados com VAAF acima do mínimo nacional passaram a receber essa complementação; 5) a complementação VAAR exige a comprovação de boas práticas de gestão e o alcance de resultados na qualidade do ensino e na equidade da aprendizagem entre os diferentes níveis socioeconômicos e diferentes raças/cores dos estudantes avaliados por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica, SAEB. Adicionalmente condicionou o recebimento dessa parcela aos entes cujos governos estaduais tivessem regulamentado o regime de colaboração com os respectivos municípios e alterado o critério de distribuição da quota municipal do ICMS, privilegiando os avanços nos resultados da aprendizagem dos estudantes e melhoria na equidade educacional dos diferentes extratos de renda e de raça/cor. [6]
Ao lado dessas medidas que melhoraram as condições de financiamento da educação básica no Brasil, desenvolvia-se uma outra vertente: a criação de sistemas de avaliação em larga escala dos resultados da aprendizagem dos estudantes. Ceará e Minas Gerais foram os primeiros estados a instituir os seus sistemas estaduais de avaliação, em 1992. Foram seguidos por São Paulo e Rio Grande do Sul, em 1996. A implementação do SAEB pelo governo federal, aconteceu em 2005. No ano de 2022, apenas os estados de Santa Catarina e Roraima não possuíam sistemas estaduais de avaliação. [7]
O Brasil foi o primeiro país não vinculado à Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, OCDE, a aderir ao sistema de avaliação de aprendizagem dela, o Programme for International Student Assessment, PISA, no ano 2000. Segundo o mentor desse programa, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, acreditava que o maior obstáculo à melhoria do sistema educacional brasileiro, naquele momento, não era a falta de recursos ou capacidade, mas o fato de que os estudantes estavam recebendo notas altas apesar dos padrões baixos. Ninguém pensava que a melhoria era necessária, tampouco possível. [8]
Apesar dos avanços registrados pelo Brasil nas primeiras avaliações do PISA, — as frustrações quanto ao atingimento das metas de evolução do IDEB para as etapas da educação básica avaliadas, tanto para o Brasil como um todo quanto para a imensa maioria dos estados e municípios — e os resultados decepcionantes nas avaliações que se seguiram do PISA e de outros programas internacionais trouxeram para o centro do debate educacional a questão da insuficiente aprendizagem e dos permanentes desníveis dessa entre os diferentes segmentos socioeconômicos e raciais.
É nesse contexto que diferentes estados tentaram aplicar reformas educacionais que dessem maior eficácia aos seus sistemas educacionais. Tentaremos descrever suscintamente as reformas educacionais implantadas por alguns estados e os prováveis impactos que tiveram no desempenho das redes escolares.
As três gerações das reformas educacionais ocorridas nas últimas décadas aforam resumidas por Olavo Nogueira Filho desta forma:
1ª. geração seriam as reformas de estruturação dos sistemas de ensino para garantir a escolarização das crianças e jovens. Grosso modo poderíamos pensar, no caso brasileiro, nas mudanças legais que ao determinarem percentuais mínimos de aplicação em educação da arrecadação de tributos pelas distintas instâncias da Federação permitiram a paulatina supressão do atraso brasileiro na universalização da educação básica. Com início na década de 1930 e aperfeiçoado, como vimos, com os fundos contábeis, FUNDEF e FUNDEB, esta primeira geração de reformas permitiu também uma massificação da formação em nível superior das professoras e professores e a construção de uma rede de prédios escolares com padrões mínimos de qualidade, mas ainda não abrangendo a totalidade das escolas;
2ª. geração seriam as reformas baseadas na gestão por resultados e na literatura sobre efeito-escola visando a melhorar a aprendizagem dos alunos. Fazem parte dessa geração a introdução de padrões esperados de aprendizagem, o estabelecimento de sistemas de avaliação de larga escala, a responsabilização das escolas e, eventualmente, o uso de incentivos monetários e não monetários para a melhoria do desempenho dos professores, equipes técnicas e dirigentes;
3ª. geração seriam as reformas baseadas numa visão ampla do sistema educacional e na combinação de instrumentos de responsabilização com enfoque nos processos e nos insumos educacionais. Envolve a articulação das escolas com serviços de saúde e assistência social, maior protagonismo das famílias na vida escolar e principalmente a coerência e descentralização coordenada das políticas educacionais gerando maior interação entre os definidores da política e os executores. [9]
No contexto das reformas educacionais visando um melhor desempenho sistêmico na aprendizagem dos estudantes alguns estados brasileiros expandiram de forma ambiciosa a oferta de ensino em tempo integral nas escolas de nível médio, em consonância com a meta 5 do Plano Nacional de Educação (2014-2025) que previa oferecer educação em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas, atendendo a pelo menos 25% dos alunos da educação básica. Esse movimento foi apoiado por um programa de fomento do governo federal, instituído pela Portaria 1145 de 10 de outubro de 2016. O programa foi fortemente inspirado pela experiência exitosa do estado de Pernambuco. [10]
Em 2024, o Censo Escolar registrou os estados com maior proporção de matrícula em tempo integral, no ensino médio, nas respectivas redes estaduais: Pernambuco, com 71% dos alunos, Piauí (58%), Ceará (54%), Paraíba (52%) e Sergipe (33%). Uma curiosidade é que todos estão localizados na região Nordeste do Brasil e apostaram na estratégia de alcançar níveis mais elevados de aprendizagem combinados com equidade, ou seja, os estudantes oriundos dos extratos de renda menores e os pertencentes aos segmentos historicamente discriminados deveriam apresentar ganhos de aprendizagem suficiente para reduzir as defasagens até então verificadas. [11]
O caso do estado de Pernambuco tem sido objeto de vários estudos que destacam desde o incremento nos níveis de aprendizagem até aspectos sociais, a exemplo da redução das taxas de homicídios entre jovens, expectativas de aumento de renda e da empregabilidade entre os egressos do ensino em tempo integral. Acompanhando a expansão da oferta de ensino em tempo integral por outros estados, os estudos acerca do impacto das reformas educacionais envolvidas na implantação do modelo se multiplicaram, especialmente os patrocinados por entidades do terceiro setor que fomentam sua difusão. [12]
No quadro 4, quando observamos os 10 estados com maiores IDEBs em 2023, constata-se que 4 deles, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Piauí atingiram, no ensino médio, a meta de ao menos 25% da matrícula em tempo integral e esta ampliação da matrícula com jornada estendida aconteceu simultaneamente com importantes reformas na gestão do sistema educacional como um todo. Os três estados nordestinos, Pernambuco, Ceará e Piauí, que em princípio teriam maiores dificuldades em suportar os custos inerentes à expansão da jornada escolar demonstram que a prioridade política e boa gestão do sistema educacional podem produzir resultados mensuráveis na qualidade da aprendizagem em tempo relativamente curto.
Outro aspecto importante é que naqueles estados nordestinos a ampliação da matrícula no ensino médio em tempo integral foi acompanhada de uma expansão na taxa líquida de matrícula no ensino médio levando-os a galgar posições no ranking dos estados com maiores taxas, conforme pode ser constatado no Quadro 2.
Goiás, Paraná, Mato Grosso, São Paulo e Tocantins são exemplos de estados bem-sucedidos em reformas educacionais que alavancaram resultados captados pelo IDEB mas não expandiram a oferta de matrículas em tempo integral em montante suficiente para atingimento da meta de no mínimo 25% do total da matrícula. Finalmente, o Pará é um exemplo extremo de resultado obtido com a aplicação simultânea de um amplo cardápio de reformas na gestão educacional capaz de produzir efeitos num prazo mais curto do que o requerido para a expansão na matrícula em tempo integral em sua rede de ensino. Entre 2021 e 2023 o IDEB da rede estadual passou de 3,0 para 4,3, conforme pode ser visto no Quadro 3.
Alagoas, Sergipe, Paraíba e Amapá são os estados que alcançaram a meta de no mínimo 25% da matrícula em tempo integral, mas não estavam, em 2023, entre os estados com maiores IDEBs. Em todos os casos há evidências de adoção de reformas educacionais de segunda geração com avanços importantes no IDEB entre 2005 e 2023. Alagoas passou do 14º. Lugar, em 2005, para o 11º. lugar em 2023 e apresentou no mesmo período um crescimento de 1,2 pontos no IDEB. Sergipe, embora tenha apresentado um crescimento de 0,9 ponto no IDEB entre 2005 e 2023, teve no período um deslocamento no ranking dos estados da 14ª. posição para a 18ª. A Paraíba, com importante expansão no ensino médio em tempo integral no período, apresentou um crescimento de 1 ponto percentual no IDEB, não sendo, entretanto, suficiente para melhorar sua posição no ranking dos estados, passando da 21ª. posição, em 2005, para a 23ª. em 2023. Finalmente, o Amapá teve um crescimento de 0,9 ponto no IDEB no período entre 2005 e 2023, mas sua posição relativa passou de 17ª. para 23ª..
A expansão recente do ensino médio em tempo integral em alguns estados brasileiros provocou muitas controvérsias entre dirigentes educacionais, pesquisadores da área e comunidades escolares. Várias críticas e ressalvas foram feitas, desde a observação de que a estrutura física das escolas não estava preparada para receber estudantes para jornadas escolares ampliadas, pois não dispunham, por exemplo de quadras esportivas cobertas, laboratórios de ensino, bibliotecas ou salas de leitura, auditórios, instalações sanitárias adequadas e vestuários, refeitórios e cozinhas, auditórios, salas para professores, salas para atendimento individual dos estudantes por professores ou outros técnicos, como psicólogos e assistentes sociais, salas para atendimento de estudantes em pequenos grupos etc.; até outras acerca do impacto sobre a rede escolar, implícita na redução dos turnos de funcionamento da escola, a provável especialização da escola no ensino médio, provocando deslocamento do ensino fundamental, em alguns casos, para a rede municipal e os efeitos sobre a distribuição das atribuições de aulas aos professores da rede estadual.
Do ponto de vista dos dirigentes educacionais, tanto a necessidade de apresentar resultados no prazo determinado pelo ciclo político-eleitoral quanto a oportunidade limitada temporalmente de adesão à programas federais de fomento determinavam a urgência das decisões relativas a ampliação da matrícula em tempo integral com possível descompasso entre as adequações e ou construção da infraestrutura necessária ao novo formato pedagógico da escola, assim como aos requerimentos de aquisição de insumos e equipamentos que — mesmo quando não cerceados por disponibilidades orçamentárias e financeiras — encontravam barreiras na capacidade técnica e gerencial da rede escolar. Sem mencionar, o que possivelmente é o mais importante, a persuasão dos professores e dirigentes escolares acerca da relevância do modelo para a melhoria na qualidade da aprendizagem acompanhada de garantias quanto aos direitos desfrutados por professores e técnicos.
Possivelmente nas dificuldades da transição da construção das políticas educacionais direcionadas explicitamente para o atingimento de resultados educacionais mensuráveis e a implementação delas foram encontrados os limites da gestão e da capacidade política de suporte e apoio à transição que, em geral, encontrou resistências políticas fortes e bem articuladas. Esses embates políticos não ocorreram apenas nos estados onde houve grande expansão da matrícula no ensino médio em tempo integral. Essa ação encontrou resistências decorrentes das transformações que envolviam a alocação de docentes e técnicos, por vezes a incompreensão das famílias que precisavam ou esperavam que os filhos adolescentes se integrassem rapidamente ao mercado de trabalho ou em outro diapasão da disputa política, divergências acerca do conteúdo pedagógico da concomitante reforma do ensino médio e de algumas especificidades do ensino médio em tempo integral envolvendo o protagonismo dos estudantes, o projeto de vida, o empreendedorismo e a oferta de disciplinas optativas que suplementavam o tradicional rol das disciplinas da base comum curricular.
Nesse contexto podemos entender a disparidade dos resultados obtidos pelos estados que ampliaram a matrícula no ensino médio em tempo integral. Cada implementação é um experimento único. Há expectativas de que os bons resultados obtidos em experiências bem-sucedidas se repitam, mas não há garantias.
Por outro lado, estados que implementaram reformas educacionais que produziram ou sustentaram bom resultados educacionais e que não incluíram a expansão significativa do ensino médio em tempo integral, provavelmente abriram mão da oportunidade de oferecer aos seus jovens não apenas um ensino que melhorou de qualidade, mas também um ensino médio mais significativo para a vida e a inserção do jovem no mundo do trabalho e na sociedade de um maneira geral e, no limite, protegendo-os dos aspectos mais excludentes e violentos da sociedade. A transição demográfica que estamos passando, com redução absoluta na população em idade escolar, as possibilidades de reordenamento do sistema estadual de ensino, com maior responsabilização e assistência aos municípios permitem a generalização do ensino médio em tempo integral, a exemplo do que vêm fazendo alguns estados nordestinos. Se os estados das regiões mais desenvolvidas do País adotarem a mesma estratégia, poderemos ter um inédito salto de qualidade na educação pública brasileira em pouco tempo.
Longe de ser uma panaceia utilizada isoladamente, a ampliação do ensino em tempo integral envolve reformas educacionais complexas que estão sujeitas a diversas resistências políticas e enfrentam limitações na capacidade técnica e gerencial no nível central, regional e nas escolas. Precisamos lembrar, entretanto, que o chamado ensino regular no Brasil é uma escola de jornada muito reduzida, incompatível com o tempo exigido para uma educação integral, especialmente para os estudantes das camadas mais pobres e historicamente excluídas que não têm oportunidades de suporte familiar e de instituições educacionais e culturais extra escola regular. Em síntese, apesar de termos testemunhado, nos últimos anos, alguns casos de sucesso relativo de redes estaduais em progredir nos indicadores de aprendizagem dos seus estudantes, esses resultados dificilmente se transformam em educação integral.
[1] O Censo escolar de 2024 registrou um total de 6.759.875 matrículas nas redes públicas do Brasil, no ensino médio. Destas 3,60% estavam vinculadas ao governo federal, 95,79% aos governos estaduais e 0,61% aos governos municipais. INEP. Sinopse Estatística da Educação Básica 2024. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar/resultados. Acesso em 20.06.2025.
[2] A determinação de critérios para escolha das experiências mais exitosas de avanço na aprendizagem dos estudantes é sujeita a controvérsias. Para um critério assemelhado, mas com resultados distintos, vide, por exemplo: Paim, José Henrique, Vieira, Sofia Lerche e Nogueira, Jaana Flavia Fernandes. Estados eficazes na gestão da aprendizagem. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2023.
[3] Lei N. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Consulta em 25.06.2025.
[4] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Emenda Constitucional N. 14 de 12 de setembro de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc14.htm. Consulta em 25.06.2025.
[5] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Emenda Constitucional N. 53 de 19 de dezembro de 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc53.htm. Consulta em 25.06.2025.
[6] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. da Emenda Constitucional N.108 de 26 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc108.htm. Consulta em 25.06.2025.
[7] Cf. Nogueira Filho, Olavo. Pontos fora da curva. Por que algumas reformas educacionais são mais efetivas do que outras e o que isso significa para o futuro da educação básica. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022, pag. 36.
[8] Schleicher, Andreas. Primeira Classe. Como construir uma escola de qualidade para o século XXI. s/l, OECD; Fundação Santilana, s/d, págs. 29-30.
[9] Nogueira Filho, Olavo. Op. Cit. Pág. 40.
[10] Disponível em: https://consed.org.br/storage/download/60e8ef5ad72f3.pdf. Acesso em 12.07.2025.
[11] INEP. Sinopse Estatística da Educação Básica 2024. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar/resultados. Acesso em 01.06.2025.
[12] Nogueira Filho, Olavo. Pontos fora da curva: por que algumas reformas educacionais no Brasil são mais efetivas do que outras e o que isso significa para o futuro da educação básica. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2022. Nos sites das entidades do terceiro setor, Instituto Sonho Grande, Instituto Natura e Instituto Unibanco, podem ser encontrados estudos acerca do ensino em tempo integral. https://seduc.se.gov.br/os-impactos-do-ensino-medio-em-tempo-integral-em-sergipe/. Acesso em 06.05.2025.
Como citar este artigo: Josué Modesto dos Passos Subrinho. Reformas educacionais e o ensino médio em tempo integral. Saense. https://saense.com.br/2025/07/reformas-educacionais-e-o-ensino-medio-em-tempo-integral/. Publicado em 17 de julho (2025).