Adolfo Melo
17/12/2025

Imagem gerada por IA

Desde que Leon Chua previu a existência de um quarto elemento eletrônico conhecido como memristor em 1971 [1], vem-se travando uma corrida para desenvolvê-lo e aplicá-lo em novas tecnologias de ponta. O grande trunfo dos memristors é que o mecanismo de funcionamento deles lembra muito a forma como cérebros animais guardam informações. Simplificando bastante, o cérebro aprende quando fortalece ou enfraquece conexões entre neurônios, as sinapses. Cada disparo elétrico que cruza a fenda sináptica modifica um pouco a eficiência dessa ligação. Quando estímulos passam repetidamente por uma mesma via neuronal, ela se torna mais “fácil” de ser percorrida: o peso sináptico diminui [2]. Quase como a trilha que o gado marca no pasto depois de tanto repetir o caminho.

Os memristors se comportam de maneira análoga como explicado em maior detalhe por mim no artigo “As máquinas podem ter sinapses eletrônicas” de 2018 [3]. Revisando um pouco, ao aplicar uma tensão migrações iônicas são provocadas dentro do material semicondutor, alterando gradativamente sua resistência elétrica. Essa mudança lenta e cumulativa funciona como uma espécie de “histórico físico” dos estímulos aplicados. Em um arranjo com vários memristors, cada caminho percorrido pela corrente elétrica deixa um vestígio, ajustando a resistência conforme a frequência e a intensidade das tensões. No cérebro, chamamos isso de plasticidade sináptica. No memristor, chamamos de mudança de resistência.

Nesse cenário, fica claro porque se acredita que memristors podem permitir que máquinas aprendam de maneira mais próxima aos animais. Imagine um dispositivo com múltiplas entradas, cada uma excitando certos memristors. A combinação das tensões aplicadas ao longo do tempo molda o estado final de resistência de cada um. Do ponto de vista computacional, isso é uma memória construída fisicamente pelos estímulos – exatamente como fazemos quando aprendemos algo vindo da visão, audição ou tato.

Mas, após 54 anos de sua previsão, os laboratórios da HP em 2008 [4] desenvolveram o primeiro dispositivo memristor funcional com alteração do estado de resistência com aplicação de tensão elétrica. Mas atualmente, como está o desenvolvimento das tecnologias usando memristors?

Em 2020, Sun e colegas [2] apresentaram um artigo de revisão trazendo possibilidades de aplicações em robótica, visão mecânica, reconhecimento de fala, percepção tátil, medicina e processamento cognitivo. Mesmo assim, a aposta mais promissora, de acordo com eles, continua sendo a construção de sinapses artificiais. Como mudam de estado de forma gradual, os memristors conseguem imitar mecanismos chave da plasticidade sináptica, incluindo comportamentos análogos à memória de curto e de longo prazo.

Avançando para dezembro de 2025, um artigo da Royal Society of Chemistry [5] mostrou memristors de filmes finos de MoS₂ com eletrodos de prata e ouro funcionando como memórias ReRAM. Nesse caso, os bits são representados como estados de alta ou baixa resistência. Os autores ainda testaram uma rede neuromórfica simples baseada em uma barra entrecruzada e conseguiram reconhecer um dígito usando apenas três bits de pesos sinápticos, mantendo o dispositivo estável mesmo após repetidas aplicações de tensão. A precisão do reconhecimento chegou a 90%.

No mesmo período, um artigo da Frontiers in Computational Neuroscience [6] discutiu que memristors podem servir como elo entre a computação neuromórfica e técnicas de deep learning. A ideia é combinar a capacidade dos modelos de deep learning de extrair padrões complexos e o comportamento eficiente e biologicamente plausível de sistemas neuromórficos baseados em eventos que ocorrem localmente. Como memristors armazenam e processam informação simultaneamente, eles permitem arquiteturas que funcionam de forma assíncrona, respondendo apenas quando estímulos chegam.

No fim das contas, memristors ainda são objetos de pesquisa, mas o caminho que estão trilhando é animador. Eles podem transformar desde o armazenamento clássico de dados até a construção de máquinas capazes de processar informações do jeito que o cérebro faz: acumulando história, fortalecendo caminhos úteis e economizando energia enquanto aprende.

[1] CHUA, L. Memristor – the missing circuit element. IEEE Transactions on Circuit Theory, v. 18, n. 5, p. 507–519, 1971. DOI: 10.1109/TCT.1971.1083337.

[2] SUN, K.; CHEN, J.; YAN, X. The future of memristors: materials engineering and neural networks. Advanced Functional Materials, v. 30, n. 48, 2020. DOI: 10.1002/adfm.202006773.

[3] MELO, Adolfo. As máquinas podem ter sinapses eletrônicas. Saense, 30 mar. 2018. Disponível em: http://www.saense.com.br/2018/03/as-maquinas-podem-ter-sinapses-eletronicas/.

[4] STRUKOV, D.; SNIDER, G.; STEWART, D.; WILLIAMS, R. The missing memristor found. Nature, v. 453, p. 80–83, 2008. DOI: 10.1038/nature06932.

[5] MARRACCINI, G.; STRANGIO, S.; DIMAGGIO, E.; SARGENI, R.; PIERI, F.; SOZEN, Y.; CASTELLANOS-GOMEZ, A.; FIORI, G. Fast prototyping of memristors for ReRAMs and neuromorphic computing. Nanoscale, 2025. Artigo avançado. DOI: 10.1039/D5NR02690C.

[6] ZHANG, M.; WANG, T.; ZHU, Z. Bridging neuromorphic computing and deep learning for next-generation neural data interpretation. Frontiers in Computational Neuroscience, 2025. DOI: 10.3389/fncom.2025.1737839.

Como citar este artigo: Adolfo Melo. O Futuro da IA pode caber em um memristor. Saense. https://saense.com.br/2025/12/o-futuro-da-ia-pode-caber-em-um-memristor/. Publicado em 17 de dezembro (2025).

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