Claudio Macedo
05/04/2016
Existe uma tendência em ciências humanas e sociais de considerar a guerra (violência) como algo inerente à natureza humana e, até mesmo, importante para a evolução de comportamentos sociais por induzir a cooperação intragrupo. A tese predominante tem considerado a guerra como um fato muito comum na pré-história e que o surgimento de estados reduziu significativamente sua ocorrência.
Arqueólogos japoneses fizeram uma análise detalhada de restos mortais de cerca de 2.500 pessoas que viveram no Japão no período de 13.000 a 800 a.C. visando encontrar evidências de mortes causadas por violência (por exemplo, ossos quebrados). Os valores de mortalidade atribuíveis à violência encontrados foram muito baixos, apenas 1,82%. Este índice evidencia que no Japão pré-histórico a guerra não era comum. A mortalidade devido à guerra (ou violência) deve, efetivamente, ter sido menor que 1,82%, porque algumas lesões observadas nos ossos foram provavelmente devido a acidentes, em vez de violência [2].
Os autores consideram que os resultados da pesquisa contradizem as asserções tradicionais que a guerra (violência) faz parte da natureza humana e que, ao longo da história, contribuiu decisivamente para a organização de estados.
No mínimo, podemos dizer que essa pesquisa passa a se constituir num excelente contraexemplo da tese, até então prevalente em ciências humanas e sociais, de que a natureza humana é essencialmente violenta.
[1] Crédito da imagem: PHGCOM – Own work, photographed at British Museum, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9439147.
[2] H Nakao et al. Violence in the prehistoric period of Japan: the spatio-temporal pattern of skeletal evidence for violence in the Jomon period. Biol Lett 12, 20160028 (2016).
Como citar este artigo: Claudio Macedo. A natureza humana é violenta? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/04/a-natureza-humana-e-violenta/. Publicado em 05 de abril (2016).
A violência estimula o ser humano até para a sobrevivência.
Amélia,
É entendido que circunstâncias adversas podem desencadear atitudes violentas.
A pesquisa nos coloca diante da possibilidade ideal que não sejamos violentos em nossa essência.
Obrigado pelo comentário.
Abs.
Difícil imaginar uma mudança de paradigma, mas como será bom que essa tese se concretize: ainda haverá esperança…
É isso Natália.
Muitos acreditam que o ser o humano é essencialmente bom.
Essa pesquisa reforça essa ideia.
Abs.
Eu teria certo cuidado com a interpretação desses resultados; tomando por base nossa taxa já alta de 20 homicídios por 100.000 hab, 1,86% de indícios de morte violenta seria a possibilidade de uma taxa de homicídios de 1860 por 100.000 hab! Ainda que os índices sejam bem mais baixos que isso, digamos, 10x menores, ainda será difícil encontrar uma cidade do faroeste norte americano que tenha alcançado essa taxa em algum ano…
De toda forma, bom saber que o índice está 1 ordem de grandeza abaixo da hipótese do Steven Pinker, tomada emprestada de outros estudos (http://www.skoob.com.br/os-anjos-bons-da-nossa-natureza-308682ed345900.html). A perspectiva do livro realmente é de uma carnificina generalizada, e isso leva a consequências éticas importantes, como por exemplo: que tipo de tirano é pior que uma revolução, num sentido puramente de cômputo de vidas? (Óbvio que a questão ética tem inúmeras outras facetas além desta). Uma visão exageradamente pessimista pode ser usada como justificativa para conservar instituições muito ruins, por exemplo.
De modo geral, que maravilha que consigamos acumular evidências nesse campo de estudo! Espero que a soma dessas informações nos leve a debates públicos melhores que os que essas questões costumam suscitar…
Excelente comentário Uriel.
A questão central é sobre a nossa “essência”.
Os pesquisadores buscam informações da pré-história para minimizar os efeitos em nosso comportamento decorrentes da organização social.
A discussão é sobre a tese que considera “a guerra como um fato muito comum na pré-história e que o surgimento de estados reduziu significativamente sua ocorrência”.
Os números atuais de 20 homicídios por 100.000 hab são entendidos como devidos aos controles da organização social.
Os pesquisadores japoneses testaram a consistência/generalização de trabalhos tradicionais que se basearam em dados arqueológicos que indicaram valores de mortalidade atribuíveis à violência da ordem de 14%.
Nesse contexto, 1,86% é uma boa notícia.
Valeu!
Abs.