Tábata Bergonci
20/04/2016

Algumas pessoas são capazes de burlar o próprio genoma. [1]
Algumas pessoas são capazes de burlar o próprio genoma. [1]
Um dos maiores mistérios que rondam as doenças genéticas, como a anemia falciforme e a distrofia muscular, é a falta de conhecimento sobre como algumas pessoas são imunes a elas. Há algum tempo, já se sabe que duas pessoas podem ter a mesma mutação relacionada a uma doença, mas apresentar variação na gravidade em que esta se manifesta. Esse evento é chamado de penetrância incompleta, e pouco se sabe sobre os mecanismos envolvidos no fenômeno.

Doenças genéticas são, geralmente, causadas por mutações em um único gene. Apesar de essas doenças serem raras, elas causam muito sofrimento e tem alta taxa de mortalidade entre as poucas pessoas afetadas. A maioria das doenças genéticas não tem cura ou tratamento efetivo, e há pouco interesse da indústria farmacêutica em investir na busca de tratamento que será útil apenas para algumas centenas de pessoas. Em decorrência disso, existe um déficit de estudos na área.

Uma estratégia atraente para entender melhor essas doenças é identificar e estudar indivíduos que carregam uma mutação para uma determinada doença, mas não mostram qualquer sintoma. Mas por que isso ainda não foi feito? Bem, é difícil identificar estes indivíduos. Geralmente, pessoas saudáveis não veem nenhuma razão para sequenciar seus genes em busca de mutações!

Com base nisso, pesquisadores começaram um ambicioso projeto de análise genética de quase 600 mil indivíduos, com o intuito de encontrar super-heróis! Em outras palavras: pessoas saudáveis com mutações para graves doenças genéticas. Se os segredos de resistência a essas doenças puderem ser identificados, estes poderiam ser traduzidos para a elaboração de novas terapias e medicamentos para distúrbios ainda sem tratamento.

Primeiramente, dos 600 mil genomas analisados (o DNA completo de cada indivíduo foi sequenciado!), um total de pouco mais de 15 mil apresentaram pelo menos uma mutação em um dos 188 genes, associados a 163 doenças genéticas. Com esses 15 mil genomas, os pesquisadores começaram a tratar os dados: eles excluíram todos os indivíduos cujo genoma não passou pelos testes de qualidade (o sequenciamento de um genoma é algo complexo e, muitas vezes, não se atinge a qualidade de cobertura e profundidade necessárias, ou, em termos mais simples, alguns pedaços do DNA estão faltando!). Após essa triagem, apenas 303 candidatos restaram.

Os 303 genomas selecionados passaram por revisões manuais de geneticistas e médicos, e apenas indivíduos com mutação em um único gene, ligado a uma única doença comprovadamente genética, permaneceram no estudo. E aí veio a surpresa: Treze super-heróis para 8 diferentes doenças foram encontrados!

Esses super-humanos “resistentes” às suas próprias mutações gênicas são um achado importante para a ciência. Se essas treze pessoas fossem normais geneticamente (ou seja, se expressassem seus genes da maneira tradicional), elas teriam doenças gravíssimas, que as afetariam física e mentalmente. Por exemplo, um desses super-humanos teria nascido (mas não nasceu!) com fusão prematura dos ossos do crânio, que impede que o cérebro cresça normalmente, culminando em um uma baixa capacidade intelectual (Síndrome de Pfeiffer).

A título de curiosidade, outras doenças a que estes humanos foram resistentes são: Síndrome de Smith-Lemli-Opitz (que resulta em capacidade mental diminuída e distúrbios comportamentais), Epidermólise bolhosa (em que os indivíduos apresentam bolhas na pele), Síndrome da Fadiga Crônica, Poliendocrinopatia Autoimune Tipo 1, Síndrome de Riley-Day (que impede o indivíduo de sentir dor), Atelosteogenesis Tipo 2 (em que os afetados desenvolvem braços e pernas muito curtos e fenda palatina), e Síndrome Dolorosa Miofascial.

Todos esses distúrbios, apesar de terem baixa ocorrência na população mundial, ainda assim afetam o sistema educacional e de saúde, além de terem uma carga de sofrimento e desgaste para indivíduos e familiares ao longo de anos. Esse novo estudo abre um campo de pesquisa pioneiro para essas síndromes e inicia a construção de um banco de genomas para essas e mais doenças.

Encontrar mais super-humanos e entender como esses indivíduos não são afetados pela sua carga genética pode gerar altos avanços científicos e salvar vidas.

[1] Crédito da imagem: Llima Orosa (Flickr) / Creative Commons (CC BY-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/llimaorosa/1351327769/.

[2] R Chen et al. Analysis of 589,306 genomes identifies individuals resilient to severe Mendelian childhood diseases. Nature Biotechnology 34, 531 (2016).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Quem são os super-humanos? Saense. URL: http://saense.com.br/2016/04/quem-sao-os-super-humanos/. Publicado em 20 de abril (2016).

Artigos de Tábata Bergonci     Home