Hendrik Macedo
01/04/2016
Herbie foi o nome dado a um Fusca 63 de cor branca, protagonista do filme “Se Meu Fusca Falasse (The Love Bug) (Disney, 1968). Protagonista porque, na verdade, Herbie possuía vontade própria, inteligência, carisma e personalidade. Na estória, ele deixa de ser um carrinho desprezado para se tornar um carro de corrida confiante e vencedor.
Em Greenwich, no Reino Unido, alguns descendentes elétricos da família do Herbie estão à disposição das pessoas para conduzi-las através das ruas da cidade. Não há motorista. E isso parece ser bom. Os veículos são resultado de um grande investimento financeiro realizado pelo governo britânico com o objetivo primário de reduzir os acidentes, uma vez que 90% destes são, segundo o governo, comprovadamente causados por falha humana na condução. De fato, computadores dificilmente cochilariam ao volante ou se distrairiam com mensagens de texto em smartphones.
Praticamente todas as grandes montadoras de automóveis e muitas fabricantes de produtos eletrônicos estão trabalhando em parceria para prover alguma forma de automação veicular mas, certamente, é a Google a pioneira no assunto, tendo colocado veículos em testes de rua desde 2010. Sebastian Thrun, pesquisador da empresa e também diretor do Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, EUA, foi o grande mentor do projeto.
Um carro autônomo como o da Google ou de Greenwich precisa constantemente responder à sequência de quatro importantes auto-questionamentos (na verdade, assim como qualquer “bom” motorista humano): Onde estou? O que está próximo a mim? O que acontecerá depois? O que devo fazer então? Para a primeira pergunta, o carro processa tanto os dados de GPS para determinar a rua em que se encontra quanto os dados de sensores mais refinados para detectar a faixa da mesma. Para a segunda pergunta, lasers, radares e câmeras são usados para detectar variados tipos de objetos próximos em variadas direções. Um algoritmo inteligente embarcado classifica esses objetos baseando-se no tamanho, formato e padrão de movimentação, de onde, por exemplo, o carro consegue diferenciar um pedestre de um ciclista. Para a terceira, um outro algoritmo então prevê o que todos estes objetos irão provavelmente fazer em um futuro próximo: o pedestre irá atravessar a rua e o ciclista irá passar ao lado do carro em instantes. Por fim, outro algoritmo inteligente deve decidir sobre aumento ou redução da velocidade e manutenção ou mudança de trajetória diante das circunstâncias.
Outro braço de desenvolvimento de inteligência veicular está relacionado à comunicação entre veículos através de sinais de rádio V2V (vehicle-to-vehicle) já em testes. Esta comunicação permite que os veículos compartilhem autonomamente alertas sobre situações potencialmente perigosas como o avanço de sinal vermelho ou frenagens bruscas realizadas por “colegas” de quatro rodas. A General Motors anunciou recentemente que modelos futuros de seus veículos irão contar com a tecnologia V2V. De acordo com Josh Switkes, chefe executivo da start-up Peloton Technology, Melon Park, California, a radiodifusão de uma simples mensagem contendo posição, velocidade e direção do trajeto é suficiente para eliminar boa parte dos acidentes de trânsito.
O carro autônomo já é uma pequena realidade prestes a se tornar enorme, haja vista a velocidade com que o desenvolvimento tecnológico tem acontecido neste século, e parece prover de mecanismos com potencial real de contribuir de forma significativa com a melhoria das estatísticas relacionadas a acidentes nas estradas e vias urbanas. Duas grandes questões surgem, entretanto, e que não deixam de ser mais uma ramificação de toda discussão filosófica existente sobre o quesito “homem vs. máquina”. Uma delas é: em caso de algum acidente provocado por um carro autônomo quem enfrentará a responsabilidade legal? E a outra, mais simples: você confiará em um carro sem motorista? E em um avião sem piloto?
[1] Crédito da imagem: Huhu Uet (This file was derived from 1963 Herbie 01.JPG:) [CC BY-SA 3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0) or GFDL (http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html)], via Wikimedia Commons.
[2] MM Waldrop. Autonomous vehicles: No drivers required. Nature 518, 20 (2015).
[3] S Thrun. Toward robotic cars. Communications of the ACM 53, 99 (2010).
[4] J Harding et al. Vehicle-to-vehicle communications: Readiness of V2V technology for application. (Report No. DOT HS 812 014). Washington, DC: National Highway Traf c Safety Administration (2014).
Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Se meu Fusca andasse… sozinho! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/04/se-meu-fusca-andasse-sozinho/. Publicado em 01 de abril (2016).
Venho acompanhando os post , é notório a melhoria da escrita cientifica em conjunto com a forma simples e pratica de escrever. Conseguindo trazer para com esta aproximação da ciência e pesquisa para o dia a dia. Acho que toda tecnologia nos provoca um fator conflitante e de incomodo , pois sendo mudança sempre é passível de se avaliar sobre a a mesma.
Gostei muito , parabéns !!!!
Olá, Leonardo.
Obrigado pelos elogios, que devem ser naturalmente estendidos para o Saense como um todo. Pois é exatamente esse pressuposto aqui: redação simples e objetova para facilitar o entendimento dos não-especialistas. O futuro de nossa sociedade agradece!
Abraços.
Parabéns pelo título “atrativo”. Fico feliz em ver alguém da área tecnológica tecendo comentários e nos levando a uma reflexão sobre o nosso cotidiano de forma simples e recheada de curiosidades.
Acredito que mesmo com todo avanço nas diversas áreas, ainda temos que caminhar mais para confiarmos em um “carro sem motorista”, basta alguns aspectos do mundo corporativo que estão sem rumo , por falta de um verdadeiro lider!
Olá, Luciene. Obrigado.
Transito numa área permeada de reflexões, sobretudo filosóficas: Inteligência Artificial. Entendo sim que, enquanto grande interessado em tecnologias relacionadas à área mas, sobretudo, pesquisador e educador, devo estimular questionamentos que julgo necessários. Não devemos nos permitir assistir passivamente ao progresso, sobretudo àquele onde nós mesmos poderemos não estar mais na condução. 🙂