André Neves Ribeiro
05/05/2020

Paramagnetismo com e sem campo magnético aplicado [1]

Imagine um grupo de pessoas, cada uma com sua personalidade. Agora imagine que de repente essas pessoas têm uma mudança de humor e todas passam a se sentir muito felizes. Um exemplo dessa situação é um grupo de brasileiros no momento em que o Brasil acaba de conquistar uma copa do mundo de futebol – antes do apito final, apreensão, depois, euforia. Outro exemplo são parentes e amigos no momento em que se reencontram fisicamente após terem passado uma temporada distantes uns dos outros (a covid-19 tem feito isso) – antes do encontro, saudade, depois, alegria. Apesar do estado de humor ser uma característica pessoal de cada indivíduo, as pessoas podem interagir de tal forma que resulta em um comportamento comum dentro do grupo.

Situação similar pode ocorrer em sistemas de elétrons fortemente correlacionados. A correspondência é a seguinte: grupo de pessoas → elétrons em uma rede cristalina; estado de humor → spin; todos felizes → magnetização saturada (spins de todos os elétrons alinhados). Um cenário equivalente ao primeiro exemplo é o de um campo magnético externo (copa do mundo) aplicado ao sistema de elétrons. A partir de um certo valor crítico o campo é intenso o suficiente para forçar o alinhamento de todos os spins. Se os elétrons mantêm o alinhamento mesmo após o campo ser desligado, diz-se que o sistema é ferromagnético. Ferromagnetismo é uma fase, isso significa que o sistema pode se comportar dessa forma, como um imã, apenas para regiões específicas de valores dos parâmetros característicos do sistema (parâmetros do hamiltoniano) e de temperatura. Assim, um cenário equivalente ao segundo exemplo é o de um sistema ferromagnético que entra nessa fase pela mudança de um parâmetro do hamiltoniano, sem campo externo. A transição para a fase ferromagnética que ocorre em temperatura 0 K é chamada de transição de fase quântica ferromagnética.

Já que elétrons não pensam, não sentem e não se comunicam por fala ou gestos como as pessoas, uma questão intrigante é: Como os elétrons “sabem” o momento de alinhar seus spins? Uma resposta rápida seria: da mesma forma que uma bola abandonada em uma certa altura sabe que deve cair. Ou seja, o elétron apenas reage à ação de uma força externa tal qual a bola reage à força gravitacional (ver figura). Então vamos mudar a pergunta: Como os elétrons “sabem” o momento de alinhar seus spins, no caso de não existir um campo magnético externo aplicado? A resposta pode ser: os elétrons interagem entre si e a energia associada a cada par de elétrons interagentes é proporcional ao produto dos seus spins, como em um modelo de Heisenberg. Assim, como o sistema tende a ir para o estado de menor energia, o alinhamento dos spins resulta nesse mínimo de energia. Então vamos mudar novamente nossa pergunta: Como os elétrons “sabem” o momento de alinhar seus spins, no caso de não existir um campo magnético externo aplicado, e quando a interação entre eles não é dada diretamente através dos seus spins? Um artigo publicado recentemente lançou uma luz sobre esse problema [2].

Usando o hamiltoniano de Hubbard para modelar pequenos sistemas de 2 e 3 elétrons, o trabalho investigou se a transição quântica ferromagnética apresenta alguma assinatura no espaço real quando o sistema é observado por um longo tempo [2]. No modelo de Hubbard os elétrons são itinerantes, isto é, saltam (por tunelamento quântico) de um sítio para outro da rede cristalina, além disso, sempre que dois elétrons se encontram no mesmo sítio há uma repulsão de Coulomb. Devido ao princípio de exclusão de Pauli, dois elétrons no mesmo sítio devem ter spins opostos. Nesse modelo o parâmetro que dirige a transição ferromagnética é a intensidade da repulsão, portanto, um parâmetro local (intrasítio). Por sua vez ferromagnetismo está associado a um alinhamento entre os spins de elétrons em diferentes sítios, portanto, uma correlação de longo alcance. Sendo assim, a pergunta anterior pode ser reformulada da seguinte maneira: Por que a partir de um movimento pelos sítios de uma rede cristalina (estrutura geométrica) e de uma repulsão local tipo Coulomb (que envolve carga elétrica), os elétrons em sítios diferentes “decidem” correlacionar seus spins, uma propriedade intrínseca de cada elétron?

Os resultados reportados no artigo mostram que quando a intensidade da repulsão coulombiana atinge o valor crítico da transição ferromagnética, na média em longo tempo, os elétrons com spin up agem como se fossem grandes barreiras para o movimento dos elétrons com spin down, e vice-versa. Ou seja, ocorre uma localização parcial; a probabilidade de um certo sítio ser ocupado depende do spin do elétron e da posição que os elétrons se encontravam no instante inicial. O artigo conclui sugerindo que essa localização introduz um certo grau de distinguibilidade entre os elétrons e que o alinhamento entre os spins ocorre para restaurar a indistinguibilidade das partículas do sistema [2]. Mas a confirmação ou não dessa hipótese depende de futuros trabalhos.

[1] Crédito da imagem: StefanPohl und teilweise Jens Böning / Wikimedia Commons. URL: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Paramagnetism_with_and_without_field.svg#file.

[2] AN Ribeiro. Signature of the ferromagnetic (T =0) transition in real space and time. Physics Letters A 384, 126473 (2020).

Como citar este artigo: André Neves Ribeiro. Como os elétrons sabem o momento de alinhar seus spins? Saense. https://saense.com.br/2020/05/como-os-eletrons-sabem-o-momento-de-alinhar-seus-spins/. Publicado em 05 de maio (2020).

Artigos de André Neves Ribeiro Home