Hendrik Macedo
03/06/2016

Imagem digital de células pintadas. [1]
Imagem digital de células pintadas. [1]
Em “Máquinas que percebem emoções” eu falo sobre como técnicas estudadas pela Computação Afetiva permitem que máquinas sejam capazes de reconhecer o estado emocional de uma pessoa a partir da análise inteligente da combinação de centenas de sinais visuais, como o arqueamento da boca, a disposição das pálpebras, a direção do olhar, um eventual rubor da pele, entre outros.

Esta ideia de se observar diversas pequenas características visuais para tentar reconhecer o estado de alguma coisa foi recentemente aplicado para células [2]. Pesquisadores do MIT e da Universidade de Harvard utilizaram corantes para pintar células com seis rótulos moleculares distintos de modo a ressaltar aspectos visuais. Com uso de um moderno software de análise de imagem, eles conseguiram então detectar e rastrear mais de mil características morfológicas diferentes, incluindo as concentrações e localizações de determinadas biomoléculas. Este foi um passo além do que já havia sido demonstrado há quase uma década atrás por um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia [3]: que células poderiam ser rapidamente classificadas a partir da análise automática de mais de uma centena de características visuais tais como a densidade do DNA e a textura da membrana.

A abordagem possibilitou que os pesquisadores pudessem detectar mudanças sutis na forma e na bioquímica celular após exposição a drogas, toxinas ou mesmo a uma intervenção deliberada da atividade genética. O procedimento consiste em registrar as imagens das células antes e depois dessas exposições (ou intervenções). Câmeras gravam um número suficiente de características para gerar uma assinatura para a perturbação ocorrida. Algoritmos inteligentes treinados conseguem então sugerir o que está acontecendo na célula biologicamente ao comparar esta assinatura com outras produzidas por moléculas e genes cujas funções são previamente conhecidas.

Este se mostrou ser um mecanismo mais rápido e mais barato do que abordagens tradicionais baseadas em expressão genética ou observação de proteínas específicas. Além disso, parece ser um dos únicos meios de se observar de modo completamente imparcial como um produto químico pode afetar um sistema biológico. Por fim, o método permite resultados completamente reproduzíveis.

A abordagem é bastante recente e possui limitações. Uma delas é que as imagens das células só podem ser vistas e analisadas em duas dimensões. Outra, é que os pesquisadores reconhecem que ainda precisam investigar a importância biológica de muitas das mudanças morfológicas que eles andam rastreando ao expor as células a determinados compostos. Diante disso, seria prematuro supor que companhias farmacêuticas já estariam de olho na criação de um processo industrial para diminuição dos custos do desenvolvimento de drogas, certo? Errado. Várias delas já começaram a criar suas próprias “pinturas celulares”.

[1] Crédito da imagem: Broad Institute (https://www.broadinstitute.org).

[2] E Pennisi. ‘Cell painting’ highlights responses to drugs and toxins. Science 352, 877 (2016).

[3] LH Loo et al. Image-based multivariate profiling of drug responses from single cells. Nature Methods 4, 445 (2007).

Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Uma pintura de célula! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/06/uma-pintura-de-celula/. Publicado em 03 de junho (2016).

Artigos de Hendrik Macedo     Home