Tábata Bergonci
29/06/2016
Há vida após a morte? Essa é uma questão que ronda a existência humana desde tempos imemoráveis. Quando o coração e o cérebro de uma pessoa param de funcionar, e seus sistemas respiratório e circulatório não trabalham, é hora de declarar sua morte. Se o sistema está desligado, não há mais vida. Ou há? Em uma das mais arrepiantes histórias da ciência, cientistas americanos identificaram centenas de genes que se tornam ativos após a morte [2].
Durante a vida, muitos dos nossos genes estão sempre ativos (ou ligando-se e desligando-se) e coordenam todas as funções das células do nosso corpo. Na morte, não se sabe se os genes param de ser expressos abruptamente, ou se isso acontece de forma gradual. Tentando desvendar esse mistério, pesquisadores investigaram como a expressão de alguns genes se comporta, desde a morte até dias após ela. O estudo não foi realizado em humanos, mas em duas espécies-modelo com genéticas bem conhecidas pela ciência: camundongos e peixes-zebra.
A descoberta é incrível: cinco horas após a morte, muitos genes começam a serem transcritos! Após 24 horas, outra bateria de genes começa a funcionar. Mudanças no padrão de expressão gênica vão ocorrendo até dois dias após a morte em camundongos, e até quatro dias após a morte em peixes-zebra. Mas que genes-zumbis são esses?
Os genes encontrados são das mais diversas categorias: regulam estresse, imunidade, inflamação, câncer… Outros genes são bastante intrigantes, como os que são expressos apenas na fase em que o embrião está sendo formado. Esses genes, chamados genes de desenvolvimento, após a formação do embrião, nunca mais são expressos. Ou era o que se pensava… Eles voltam a funcionar após a morte! Por quê? Ainda não sabemos. Mas os pesquisadores acreditam que uma possível explicação seria a de que as condições celulares encontradas em cadáveres são bastante semelhantes às de embriões (horripilante, não é?).
A pesquisa é promissora, os cientistas consideram que a descoberta de que genes responsáveis pela promoção do câncer são ativos após a morte pode ajudar na ciência que envolve o transplante de órgãos. Órgãos em processo de morte começam a desenvolver câncer, e isso pode explicar o porquê de existir alta taxa de câncer em órgãos transplantados. Além disso, porque existe um padrão de expressão gênica que vai mudando ao passar das horas pós-morte, a biologia forense (ciência que estuda e tenta desvendar crimes) pode utilizar esses conhecimentos para desenvolver melhores técnicas para determinar a hora da morte de um indivíduo [3].
Se você é cético, talvez você esteja pensando que isso não acontece em humanos. Mas acontece: um estudo realizado em 2013 já mostrou que genes que “consertam” partes do coração passam a serem expressos 12 horas após a morte [4]. É superinteressante e talvez um tanto macabro: parece que nós podemos descobrir muitas informações sobre a vida, estudando a morte!
[1] Crédito da imagem: Morgan (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/meddygarnet/3194850947.
[2] AE Pozhitkov et al. Thanatotranscriptome: genes actively expressed after organismal death. bioRxiv 10.1101/058305 (2016).
[3] MC Hunter et al. Accurate predictions of postmortem interval using linear regression analyses of gene meter expression data. BioRxiv 10.1101/058370 (2016).
[4] L González-Herrera et al. Studies on RNA integrity and gene expression in human myocardial tissue, pericardial fluid and blood, and its postmortem stability. Forensic Science International 232, 218 (2013).
Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Vida após a morte? A sombria história dos genes-zumbis! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/06/vida-apos-a-morte-a-sombria-historia-dos-genes-zumbis/. Publicado em 29 de junho (2016).
Nossa, que macabro… mas absurdamente impressionante.
Quanto mais sabemos sobre a vida, mais coisa tem pra saber…
Parabéns pelo texto!
Muito obrigada, Luana!
Muito sombrio, né!? Mas extremamente incrível. Concordo com você, quanto mais sabemos, mais coisa temos pra saber. Abraços.
Incrível!!! nao paro de pensar no que faz o corpo utilizar algo relacionado ao nascer com a total falta de vida! Bem disse Mary Sheley q as fronteiras entre a vida e a morte sao mais tenues do q pressupomos! Parabens pelo trabalho!
Muito obrigada, Lucas. Pois é, também achei interessantíssimo. Se pensarmos bem, um embrião é algo que acabou de sair da morte para a vida (e toda aquela discussão de quando a vida começa), sendo simplista, o que torna até aceitável a ideia de que o mesmo grupo gênico está presente na transição morte-vida e vida-morte.