Matheus Macedo-Lima
20/07/2016
O Homo sapiens é uma criatura social. Evoluímos em torno da vida em colaboração, a qual traz benefícios óbvios: maior eficiência na obtenção de alimento, proteção contra predadores, tomar conta de filhotes e até sanidade mental. Mas será que há alguma desvantagem? Uma dica: não estamos sozinhos nos nossos corpos. Somos usados. Somos “casa e meio-de-transporte” de criaturas que estão neste mundo há muito, muito mais tempo que nós. Muitas dessas criaturas se aproveitam de nossa vida social para “mudarem de casa”, transferindo-se para nossos parceiros, o que pode significar um risco para a comunidade inteira quando o organismo é um patógeno, como um vírus ou bactéria.
Ao longo da evolução nossos corpos desenvolveram “armaduras” para a vida social. Sabemos que nosso sistema imunológico se adapta e responde rapidamente à exposição a novos patógenos. Esse mecanismo permite o compartilhamento de microrganismos sem que haja um impacto muito prejudicial na comunidade que recebe um novo patógeno. Então, seguindo a lógica da seleção natural, organismos com sistemas imunes deficientes seriam rapidamente dizimados das comunidades, correto? Errado. A evolução existe para todos! Um grupo de pesquisadores descreve no periódico Nature que camundongos imunodeprimidos tornam-se antissociais, provando que o sistema imune se comunica com o cérebro e influencia o comportamento social [2].
Os cientistas empregaram um teste simples para medir a sociabilidade. Assim como nós, camundongos são altamente sociais e preferirão interagir com um indivíduo em detrimento de um objeto. Medindo o tempo de exploração dos animais quando apresentados simultaneamente a uma gaiola contendo um objeto e uma contendo um outro camundongo, os cientistas determinam o grau de sociabilidade dos indivíduos. O estudo mostra que camundongos com deficiências no sistema imune adaptativo não preferem um outro animal a um objeto. Os pesquisadores foram além e descobriram que uma proteína de sinalização imune chamada interferon gama, quando ausente, causa o mesmo efeito. Então, eles colocaram esses animais em uma máquina de ressonância magnética funcional e descobriram que havia hiperatividade em áreas frontais do córtex cerebral – importantíssimas para comportamentos sociais. Incrível, não? Uma única molécula do sistema imune interferindo na função de neurônios e no comportamento!
Mas espera aí. Camundongos e humanos são bastante diferentes! Será que esse estudo nos ensina algo sobre humanos? Para termos uma ideia disso, os cientistas analisaram a expressão dos genes do interferon gama comparando situações sociais e não sociais em três outras espécies: ratos, peixes-zebra e… moscas! Em todas, houve uma correlação entre situações de interação social e a expressão maior dos genes do interferon. Parece ser um mecanismo altamente conservado na evolução!
O desafio agora é provar e entender a relação entre o sistema imune e desordens neurológicas que envolvem transtornos de sociabilidade – como autismo, esquizofrenia e depressão. A correlação entre deficiência imune e autismo, por exemplo, já é bem conhecida e estudos mostram que alguns grupos com desordens do espectro autista respondem positivamente a terapias de aumento de imunidade [3]. Será que o interferon gamma seria o responsável pela melhora? Será esse o “tratamento milagroso”? Cenas dos próximos capítulos…
[1] Crédito da imagem: Harry Sherman (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/25395270@N02/3908775646/.
[2] AJ Filiano et al. Unexpected role of interferon-γ in regulating neuronal connectivity and social behaviour. Nature 535, 425 (2016).
[3] M Careaga et al. Immune dysfunction in autism: A pathway to treatment,” Neurotherapeutics 7, 283 (2010).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Além do cérebro: deficiência imune nos torna antissociais? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/07/alem-do-cerebro-deficiencia-imune-nos-torna-antissociais/. Publicado em 20 de julho (2016).