André Neves Ribeiro
10/10/2016

Disco rígido. Cabeças de leitura e gravação dos discos rígidos modernos funcionam com base no efeito GMR. [1]
Disco rígido. Cabeças de leitura e gravação dos discos rígidos modernos funcionam com base no efeito GMR. [1]
Elétrons possuem carga elétrica e spin (momento angular intrínseco). A eletrônica convencional é totalmente fundamentada na propriedade carga elétrica e ignora os spins – os elétrons são manipulados através de campos elétricos. Dessa forma, percebemos rapidamente que dispositivos tecnológicos que considerem também o spin serão, no mínimo, mais eficientes. É disso que trata a spintrônica, ou eletrônica de spin, do controle e manipulação dos spin em um sistema.

Muitos pesquisadores consideram que a spintrônica, enquanto novo ramo da ciência, começou com a descoberta da chamada Magnetoresistência Gigante (GMR, sigla em inglês), em 1988 [2, 3]. Essa descoberta experimental garantiu o prêmio Nobel de 2007 a Albert Fert e Peter Grünberg. Antes de 1988 já existiam tecnologias baseadas no spin, gravação magnética por exemplo, mas o funcionamento era baseado na magnetização de materiais ferromagnéticos, ou seja, o interesse estava na manifestação macroscópica coletiva dos spins. O que os grupos de Fert e Grünberg descobriram foi que a resistência a uma corrente elétrica que atravessa uma estrutura formada por finas camadas de materiais ferromagnéticos separados por camadas ultra-finas de materiais não-magnéticos é significativamente diferente quando as magnetizações das camadas ferromagnéticas são paralelas ou antiparalelas. Aplicando um campo magnético externo sobre uma camada ferromagnética é possível alterar a direção de sua magnetização e assim controlar se as magnetizações estarão paralelas ou antiparalelas. Logo, a GMR fornece um caminho para o controle do movimento dos elétrons devido a interação de seus spins com a magnetização do material [4]. É graças ao efeito GMR que temos hoje discos rígidos de grande capacidade de armazenamento de dados e a um preço acessível.

Nos anos que se seguiram à descoberta da GMR a spintrônica tornou-se uma área efervescente de pesquisa e atualmente existem diversas tecnologias baseadas apenas no spin (dispositivos monolíticos) ou baseadas na carga elétrica mas com efeito amplificado por conta do spin (dispositivos híbridos). Alguns exemplos são: válvulas de spin, junções de tunelamento magnético (onde emerge o efeito da magnetoresistência de tunelamento – TMR, sigla em inglês), paredes de domínios em nanofios magnéticos, lógica de spin simples (que é realizada combinando elétrons, pontos quântico e campo magnético), transistores de spin (que faz uso da vantagem de que a orientação dos spins pode ser mantida sem a aplicação constante de corrente elétrica, ou seja, é um sistema de armazenamento de dados não volátil), e dispositivos da spintrônica orgânica – um híbrido da eletrônica de semicondutores orgânicos com a spintrônica [5]. No campo da spintrônica molecular vale destacar a recente confecção do menor bit da história, realizado por pesquisadores da IBM, – o bit (0 ou 1) foi codificado usando os dois estados de Néel de uma molécula antiferromagnética com apenas 12 átomos de ferro [6].

Embora tenha havido nas últimas décadas grande avanço na spintrônica, ainda há muito espaço para o aprimoramento das tecnologias que já possuem protótipo e para o desenvolvimento de novas. A confecção de dispositivos de spintrônica é uma tarefa bastante desafiadora, que exige grande conhecimento de Física e de Ciência dos Materiais. No entanto, como disse Fert em seu discurso de premiação do Nobel: “Spintrônica deverá ter um lugar importante na ciência e tecnologia do nosso século” [4].

[1] Crédito da imagem: rock_rock (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/en/hard-disk-disco-computer-775847/.

[2] MN Baibich et al. Giant Magnetoresistance of (001) Fe/(001) Cr Magnetic Superlattices. Physical Review Letters 61, 2472 (1988).

[3] G Binasch et al. Enhanced magnetoresistance in layered magnetic structures with antiferromagnetic interlayer exchange. Physical Review B 39, 4828 (1989).

[4] A Fert. Nobel Lecture: Origin, development, and future of spintronics. Reviews of Modern Physics 80, 1517 (2008).

[5] VK Joshi. Spintronics: A contemporary review of emerging electronics devices. Engineering Science and Technology, an International Journal 19, 1503 (2016).

[6] S Loth et al. Bistability in Atomic-Scale Antiferromagnets. Science 335, 196 (2012).

Como citar este artigo: André Neves Ribeiro. Spintrônica: a construção de um admirável mundo novo já começou! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/10/spintronica-a-construcao-de-um-admiravel-mundo-novo-ja-comecou/. Publicado em 10 de outubro (2016).

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