Hendrik Macedo
02/12/2016
Em São Francisco, EUA, um detetive recém aposentado aceita um último trabalho a pedido de um amigo seu. O homem desconfia que a esposa está louca e pede ao detetive que a siga e descubra tudo o que ela faz nas tardes em que passa fora de casa. De fato, a mulher demonstra uma estranha obsessão por lugares altos. A sinopse simples, quase banal, esconde uma obra-prima do cinema: “Um corpo que cai” (Vertigo), de Alfred Hitchcock. Ah, um pequeno detalhe sobre nosso detetive: ele sofre de um terrível medo de alturas.
Fobia é um medo desproporcional a alguma coisa. Aracnofobia, Claustrofobia e Coulrofobia são outros três exemplos dos mais conhecidos tipos de fobia catalogados. Quem sabe o leitor, infelizmente, não sofra de alguma dessas? A terapia convencional para as fobias é por si só assustadora (torturante?): em repetidas sessões, o paciente é exposto exatamente ao objeto de seu medo na esperança de que, de alguma forma, seu cérebro aprenda que aquele objeto não é tão terrivelmente danoso à sua integridade física quanto ele sempre pensou que fosse. Sinceramente, será que não existe uma fobia já catalogada para a própria terapia em si?
O detetive “Scottie” viveu em 1958, data de lançamento do filme. Tivesse ele vivido nos dias atuais, haveria uma esperança para a cura de sua Acrofobia, sem necessidade de exposição a estas torturantes sessões, através de um método desenvolvido por pesquisadores da Universidade Cambridge (UK), Japão e EUA [2]. Bom, isso poderia alterar negativamente os rumos da estória do filme e até da história do cinema mas, particularmente para Scottie, seria ótimo!
O método inclui uma inovadora técnica denominada Decoded Neurofeedback (DecNef) [3], que consiste em realizar a digitalização do cérebro do paciente (brain scanning) para monitorar a atividade cerebral e identificar padrões complexos de atividades que se assemelhem a um medo específico. No experimento, os pesquisadores criaram artificialmente uma memória de medo em 17 voluntários saudáveis administrando eletrochoques quando os voluntários viam uma certa imagem no computador. Apesar do modo altamente complicado como a informação é representada no cérebro, os métodos atuais de Inteligência Artificial para reconhecimento de imagens que a DecNef utiliza são capazes de identificar rapidamente e com alta acurácia aspectos do conteúdo dessa informação. O grande desafio do trabalho então era o de encontrar uma forma de reduzir ou remover a memória do medo sem precisar evocá-la. Os pesquisadores perceberam que quando os voluntários se encontravam em períodos de descanso, era possível observar breves momentos em que características parciais dessa memória do medo apareciam na atividade cerebral, ou seja, momentos em que os voluntários não tinham consciência dessa memória. A partir de então, todas as vezes que estas características eram detectadas durante o monitoramento, os pesquisadores davam uma recompensa aos voluntários como, por exemplo, uma compensação financeira, mas sem informá-los do porquê da recompensa. Desta forma, ao longo de três dias de experimentos, as memórias de medo foram gradativamente reprogramadas para algo positivo sem a necessidade dos voluntários serem explicitamente expostos ao medo. Ao fim do processo, os voluntários foram novamente confrontados às imagens originais e não era mais possível identificar qualquer maior resposta das amígdalas cerebelosas, região do cérebro que faz parte do sistema límbico e, dentre outras funções, regula o medo. Os pesquisadores esperam que uma nova fase da pesquisa se inicie em clínicas especializadas em terapias desse tipo e ressaltam que o método pode ser igualmente aplicado para a cura do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD).
Os maiores feitos recentes da Inteligência Artificial estão de alguma forma ancorados em algoritmos baseados nas chamadas redes neuronais artificiais. Diante da frequência e magnitude desses feitos, parece natural supor e até temer que a Inteligência Artificial possa no longo prazo de fato rivalizar com a inteligência natural e ameaçar a supremacia humana no planeta (Tecnofobia?). Esta questão é recorrente no cinema, na literatura, nos meios acadêmicos e até o célebre fisico Stephen Hawking já se manifestou a respeito [4], [5]. Trabalhos como este, entretanto, mostram um outro viés de reflexão sobre o assunto, curioso em si: ao se utilizar neurônios artificiais para melhorar os naturais, estamos fazendo a Inteligência Artificial melhorar a Natural. Não tema.
[1] Crédito da imagem: Henryk Niestrój (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/photo-1737118/.
[2] A Koizumi et al. Fear reduction without fear through reinforcement of neural activity that bypasses conscious exposure. Nature Human Behaviour 1, 0006 (2016).
[3] K Shibata et al. Perceptual learning incepted by decoded fMRI neurofeedback without stimulus presentation. Science 334, 1413 (2011).
[4] J Titcomb. Stephen Hawking says artificial intelligence could be humanity’s greatest disaster. The Telegraph. URL: http://www.telegraph.co.uk/technology/2016/10/19/stephen-hawking-says-artificial-intelligence-could-be-humanitys/. Published 19 Octuber (2016).
[5] R Cellan-Jones. Stephen Hawking warns artificial intelligence could end mankind. BBC News. URL: http://www.bbc.com/news/technology-30290540. Published 2 December (2014).
Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Inteligência Artificial dá esperança para a cura das fobias. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/12/inteligencia-artificial-da-esperanca-para-a-cura-das-fobias/. Publicado em 02 de dezembro (2016).