Antônio Murilo Macedo
13/01/2017
O vácuo da teoria quântica é talvez um dos mais sutis conceitos da física moderna. Na física clássica o vácuo é a total ausência de matéria e radiação, ou seja, intuitivamente podemos em princípio identificar o vácuo com o nada. A física quântica modifica radicalmente a noção do vácuo clássico admitindo a possibilidade de processos virtuais nos quais partículas, como fótons, podem aparecer e desaparecer do nada, desde que jamais sejam detectadas diretamente, em conformidade com o princípio da incerteza de Heisenberg de energia e tempo [2]. Portanto, segundo esta perspectiva quântica, o vácuo é uma espécie de sopa borbulhante de partículas virtuais efêmeras. A grande questão que surge é então a seguinte: existe alguma forma indireta de observarmos esses efeitos virtuais do vácuo quântico? E se a resposta for sim, podemos interferir no processo, por exemplo fornecendo energia para transformar fótons virtuais em fótons reais? Em outras palavras, podemos iluminar o vácuo criando luz do nada? A surpreendente resposta para todas essas perguntas é sim e o fenômeno, que já foi observado em laboratório [3], é conhecido na física como o efeito Casimir dinâmico [4].
A idéia básica do experimento proposto por Casimir é a seguinte. Duas placas metálicas planas, muito finas (massas desprezíveis) e neutras (sem carga elétrica) são colocadas dentro de uma câmara de vácuo. A distância entre as placas deve ser muito pequena, tipicamente um milésimo de milímetro. Nestas condições não há força elétrica entre as placas e a força gravitacional é desprezível. As placas essencialmente dividem o vácuo da câmara em duas regiões, uma entre as placas (uma espécie de cavidade) e outra fora. Os processos virtuais de criação e aniquilação de fótons ocorrem em ambas as regiões, mas a região entre as placas impõe restrições à função de onda dos fótons virtuais de modo que menos fótons são criados e aniquilados no interior da cavidade do que fora dela. Há, portanto, uma diferença de pressão dentro e fora da cavidade que produz uma força atrativa entre as placas. Este é o efeito Casimir estático. Imagine agora que provoquemos uma vibração em uma das placas com velocidades que são comparáveis à velocidade da luz (aqui obviamente há uma dificuldade prática). As restrições na função de onda dos fótons virtuais no interior da cavidade agora variam no tempo a uma velocidade tão alta que os fótons virtuais não conseguem acompanhar. O sistema então responde criando fótons reais, ou seja, luz é produzida no interior da câmara. O processo é uma espécie de amplificação paramétrica quântica, cujo análogo clássico mais simples é o aumento da amplitude de oscilação de um balanço através do movimento do centro de massa do corpo de uma pessoa que está em pé nele.
Em 2011, um grupo de cientistas [3] da Suécia, Japão, Austrália e Estados Unidos observaram de forma espetacular o efeito Casimir dinâmico em um circuito supercondutor. O sistema consistia de uma linha de transmissão que terminava em um DSIQ (dispositivo supercondutor de interferência quântica). O DSIQ foi projetado para mudar o comprimento da linha de transmissão a uma frequência da ordem de 10 gigahertz, o que corresponde a um movimento da borda a velocidades da ordem de 25% da velocidade da luz na linha de transmissão. Como o sistema não era vácuo, os autores tiveram que separar cuidadosamente as contribuições clássicas e quânticas dos fótons gerados. Além de observar a intensidade de emissão de fótons reais prevista pela teoria de Casimir, os autores também mostraram que os fótons emitidos exibiam um tipo especial de correlação quântica entre pares.
A observação experimental do efeito Casimir dinâmico é sem dúvida um importante marco conceitual da física quântica. Podemos agora imaginar novos e mais desafiadores experimentos para testar a exótica natureza quântica do vácuo. Circuitos supercondutores foram decisivos na observação do fenômeno, mas eles também têm desempenhado papel central na área de informação e computação quântica. Um possível desdobramento do experimento neste tema seria a construção de estados artificiais de vácuo através de redes de qubits. No entanto, o reconhecimento da possibilidade concreta de criarmos fótons reais a partir do vácuo é sem dúvida a consequência mais espetacular. É a versão quântica do “Faça-se Luz! E a Luz se Fez.”.
[1] Crédito da Imagem: MaX Rσмєяσ (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC-SA 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/92274924@N02/8531403368/.
[2] Pelo princípio da incerteza de Heisenberg de energia e tempo, a incerteza na energia de um sistema é inversamente proporcional à menor escala de tempo para uma mudança significativa no estado do sistema.
[3] CM Wilson et al. Observation of the Dynamical Casimir Effect in a Superconducting Circuit. Nature 479, 376 (2011).
[4] PD Nation et al. Colloquim: Stimulating Uncertainty: Amplifying the Quantum Vacuum with Superconducting Circuits. Reviews of Modern Physics 84, 1 (2012).
Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. Faça-se luz! E a luz se fez. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/01/faca-se-luz-e-a-luz-se-fez/. Publicado em 13 de janeiro (2017).