Marcelo M. Guimarães
15/01/2017

Conceito artístico de duas estrelas formando uma binária de contato. [1]
Nos dias de hoje, devido à poluição luminosa das cidades grandes, temos acesso a poucos fenômenos celestes. Lua cheia (de vez em quando uma super Lua), eclipses, chuvas de meteoros, são algumas das observações simples que conseguimos fazer sem a ajuda de instrumentos (telescópios ou binóculos).

Nossos antepassados olhavam para o céu e se deslumbravam com a quantidade de estrelas visíveis a olho nu. Não é de se espantar que conexões entre acontecimentos celestes e terrestres fossem feitos, levando a Astronomia e a Astrologia a se desenvolverem lado a lado. Enquanto a primeira tentava mapear e estudar o firmamento, a segunda tentava usar eventos celestes para prever eventos mundanos. Grandes astrônomos foram também astrólogos reais, como Tycho Brahe e Johannes Kepler, afinal, era necessário comprar o pão de cada dia.

Apesar de vivermos em uma época com avançado conhecimento científico-tecnológico, onde um simples celular é capaz de acessar um universo quase infinito de informação, muitas pessoas ainda acreditam em astrologia, embora há muito tempo tenha se provado cientificamente não haver conexão entre as constelações no céu e eventos na Terra.

A pergunta que entitula esse texto se insere em um outro contexto. Devido à velocidade da luz ser finita, a Astronomia é uma ciência que estuda o passado. Quando detectamos uma supernova a milhões de anos-luz de distância estamos vendo o que aconteceu a milhões de anos atrás. Se ao olharmos o Universo só temos informação do passado, será que podemos prever o futuro? Esse é um ponto central na Física. Estabelecer um conjunto de leis, descritas em equações matemáticas, capazes de explicar observações da natureza e capazes de fazer previsões sobre o comportamento dos fenômenos que estuda. Poderíamos ser mais detalhistas e falar em fenômenos clássicos e quânticos, com leis determinísticas para os primeiros e probabilísticas para os demais. Mas isso não é essencial no momento, pois em ambos os casos podemos fazer previsões.

Será que podemos apontar para uma estrela e dizer que ela vai explodir daqui a 5 anos? É isso o que fez a equipe liderada pelo professor Larry Molnar [2,3,4]. Ao estudar o sistema binário KIC 9832227, eles perceberam que o seu período orbital vem diminuindo com o tempo a uma taxa maior do que a prevista por modelos teóricos.

KIC 9832227 é uma binária de contato, o que implica que as duas estrelas preenchem o lóbulo de Roche [5] e as suas superfícies se tocam, fazendo com que o sistema se pareça com uma ampulheta. As duas estrelas giram ao redor do centro de massa do sistema com um período de aproximadamente 11 horas, possui magnitude 12 na banda V [6].

Em 2008 um evento raro aconteceu, o sistema binário de contato V1309 Sco explodiu em uma nova vermelha [7,8]. Observações anteriores à explosão mostram o período orbital desse sistema diminuindo aceleradamente, com as estrelas coalescendo e explodindo no final. Molnar e sua equipe fizeram diversos estudos e observações para entender o que estava acontecendo com KIC 9832227 e concluíram que esse sistema está se comportando da mesma maneira.

Eles fizeram a previsão de que KIC9832227 vai explodir em uma nova vermelha, chegando a magnitude 2 na banda V, em aproximadamente 5 anos, entre setembro de 2021 e setembro de 2022. Novos estudos vão tentar melhorar a precisão dessa previsão, que hoje é de 1 ano. Por volta de 2022, em um lugar afastado das grandes cidades, armados com nossos telescópios e binóculos, ou mesmo a olho nu, vamos apontar para uma estrela no céu e dizer: aquela estrela vai explodir.

[1] Crédito da imagem: ESO/L. Calçada. URL: http://www.eso.org/public/images/eso1540a/.

[2] M Kucinski and L Rosendale. Astronomy prof, student predict explosion that will change the night sky. Calvin College. URL: http://calvin.edu/news/archive/astronomy-prof-student-predict-explosion-that-will-change-the-night-sky. Publicado em 06 de janeiro (2017).

[3] LA Molnar et al. A prediction of a luminous red nova eruption.  American Astronomical Society, AAS Meeting #225. URL: http://adsabs.harvard.edu/abs/2015AAS…22541505M. (2015).

[4] LA Molnar et al. KIC 9832227: a red nova precursor. American Astronomical Society, AAS Meeting #229. URL: http://adsabs.harvard.edu/abs/2017AAS…22941704M. (2017).

[5] O lóbulo de Roche é uma superfície equipotencial gravitacional no espaço, criada pela presença de dois corpos com massa. Mais detalhes em: http://www.if.ufrgs.br/oei/stars/binary_st/binaries.htm. Acesso em 14 de janeiro (2017).

[6] K Kinemuchi. To Pulsate or to Eclipse? Status of KIC 9832227 Variable Star. URL: https://arxiv.org/pdf/1310.0544v1.pdf. (2013).

[7] R Tylenda et al. V1309 Scorpii: merger of a contact binary. Astronomy & Astrophysics 528, A114 ( 2011).

[8] Nova vermelha (Red Nova): é uma nova classe de objetos muito luminosos, ainda em estudo e caracterização. O aumento de brilho é significativo, mas não o suficiente para se caracterizar como uma supernova. A origem pode ser a coalescência (merge) de duas estrelas em um sistema binário de contato.

Como citar este artigo: Marcelo M. Guimarães. É possível fazer previsões na Astronomia? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/01/e-possivel-fazer-previsoes-na-astronomia/. Publicado em 15 de janeiro (2017).

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