Matheus Macedo-Lima
12/04/2017

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Quem nunca teve insônia? Eventos estressantes como prazos iminentes no trabalho, dificuldades financeiras, fins de relacionamento ou perda de entes queridos acontecem com todo mundo e podem causar dificuldades de adormecer no horário desejado à noite. Doenças como depressão ou transtornos de ansiedade também podem ter o mesmo efeito. Existe, porém, um grupo de pessoas que tem insônia não-relacionada aos eventos da vida ou a alguma doença. Se você se identifica, existe uma grande chance de que você possua a síndrome do atraso das fases do sono (SAFS) – e a causa pode ser genética.

Neurônios presentes em uma área do nosso cérebro chamada núcleo supraquiasmático recebem informações dos olhos sobre a quantidade de luz no ambiente e entram em sincronia para iniciar a regulação de toda uma série de “relógios” existente em outros órgãos. Por isso, o núcleo supraquiasmático é chamado de “relógio mestre” do corpo. Mudanças na quantidade de luz percebida pelos olhos, assim como a presença de hormônios e outros químicos, também podem afetar o ritmo desses neurônios.

Por incrível que pareça, o relógio biológico em nossas células, também chamado de ciclo circadiano (do latim “cerca de um dia”), é regulado geneticamente. Existe um grupo de genes cuja expressão e regulação controlam muitos processos celulares cíclicos. Os mais famosos: bmal1, per1, cry1 e clock. O interessante é que existe uma autorregulação dessa expressão, chamada de feedback negativo, em que os produtos dos genes inibem as suas expressões. Você consegue adivinhar quanto tempo um ciclo completo de expressão dura? Você acertou: cerca de 24 horas.

A novidade que trago para vocês é a seguinte: um grupo de pesquisadores reporta que a mutação de um único nucleotídeo em um dos genes que regulam o ciclo circadiano, o gene CRY1, pode ser responsável pela maior parte dos casos de SAFS [2]. Essa conclusão se iniciou com o estudo dos genes do relógio biológico de uma pessoa com diagnóstico de SAFS e a descoberta dessa diferença em relação ao genoma de um humano controle.

Após a descoberta da mutação, os cientistas conseguiram amostras de outros 6 familiares (de ambos os sexos) da primeira pessoa. Eles encontraram ao menos uma cópia dessa mesma mutação em todos os indivíduos (duas cópias em um), e 5 destes relatam sintomas de SAFS. O único familiar que não relatou problemas afirmou que costumava ter distúrbios do sono no passado, mas a rotina atual o forçava a acordar muito cedo e ele a mantinha de propósito mesmo em fins de semana. A conclusão é de que esse gene deve ser dominante, ou seja, basta uma cópia para que distúrbios do sono aconteçam.

Além disso, os pesquisadores utilizaram bancos de dados para identificar 6 outras famílias com a mutação (totalizando 70 indivíduos). Destes, 39 possuíam a mutação, dos quais 38 relataram distúrbios do sono! Isso indica que a penetrância (eficácia da expressão) desse alelo é altíssima.

Agora a cereja do bolo. Células de camundongos in vitro foram “injetadas” com esse gene mutante humano. Essas células também possuíam uma proteína fluorescente ligada a uma das proteínas do relógio biológico (luciferase ligada a BMAL1). Em termos simples, quando BMAL1 é produzida, luciferase também é produzida, e esta última “brilha”! Através da observação do ciclo de intensidade da fluorescência, dá para se medir a duração do ritmo biológico. Nas células com o gene mutante, o ciclo foi em média meia hora mais longo do que as células com o gene normal. Isso sugere um alongamento do ciclo nas pessoas que possuem o gene. Interessante, não?

Segundo os pesquisadores, a presença dessa mutação em databases de genes humanos está presente em até 1 em cada 75 pessoas! Isso significa que boa parte dos casos de SAFS – com prevalência bem próxima desse número – pode ser causada por esse gene. Portanto, se você possui insônia recorrente, procure saber se ela existe em outros familiares. Embora ainda não exista terapia gênica para SAFS atualmente, é sempre bom pôr a culpa nos nossos genes!

[1] Crédito da imagem: Victor (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/v1ctor/21966420421.

[2] A Patke et al. Mutation of the Human Circadian Clock Gene CRY1 in Familial Delayed Sleep Phase Disorder. Cell 169, 203 (2017).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. A causa da sua insônia pode ser genética. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/04/a-causa-da-sua-insonia-pode-ser-genetica/. Publicado em 12 de abril (2017).

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