Rodrigo Holanda
24/09/2017
É comum encontrarmos em vídeos na internet ou documentários na TV a ideia de um início explosivo para o universo, em um espaço e um tempo pré-existentes. Este cenário precisa ser discutido e esclarecido com muito cuidado, pois é uma concepção errada do que vem a ser a teoria do Big Bang. De onde surgiu o termo Big Bang ou grande explosão? Precisamos voltar um pouco no tempo para entender.
A teoria que descreve a dinâmica cósmica é a teoria da relatividade geral (teoria gravitacional de Einstein, publicada em 1915). Nesta teoria, soluções expansionistas (ou evolucionistas), onde as propriedades do universo se modificam com o tempo, aparecem naturalmente, sendo corroboradas pela descoberta observacional da expansão cósmica por Edwin Hubble em 1929 [2] (veja o artigo Qual a taxa atual da expansão cósmica?). Com as soluções expansionistas em mãos e a expansão cósmica observacionalmente estabelecida, os físicos George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman no final da década de 40 do século passado, propuseram que o universo tivera seu passado extremamente quente e denso e mostraram como os elementos químicos leves se formaram neste cenário [2,3]. Além deste passado quente e denso, se levarmos em conta apenas a teoria da relatividade geral, o universo também possuiria uma singularidade em t=0 s. Em outras palavras, o universo que conhecemos teria um início extremamente quente, denso e em rápida expansão.
Uma teoria rival que surgiu na mesma época, conhecida como a teoria do estado estacionário, negava a existência de um passado quente e denso, bem como um início para o universo. Neste modelo o universo é eterno e suas propriedades são imutáveis. Esta tese foi defendida, também na década de 40, por Fred Hoyle, Thomas Gold e Hermann Bondi. Foi justamente o Fred Hoyle, em uma rádio britânica, que cunhou o termo grande explosão ou Big Bang para a teoria expansionista. Entretanto, a teoria do estado estacionário mostrou-se obsoleta por não explicar algumas observações, como a radiação cósmica de fundo, bem explicada pela teoria de Gamow e colaboradores [2,3].
Podemos agora voltar ao nosso problema do conceito de início explosivo para o universo. Uma explosão, por definição, estabelece uma forte anisotropia de temperatura e pressão no espaço. Estas características não são observadas no universo, pelo contrário, a partir de certa escala, é bem estabelecido das observações da radiação cósmica de fundo e do princípio de Copérnico que o mesmo é homogêneo e isotrópico, ou seja, possui basicamente as mesmas propriedades em qualquer ponto [2,3]. Assim, nós vivemos em um espaço-tempo homogêneo e isotrópico, em expansão, mas que não decorreu de nenhuma explosão!
Na verdade, a teoria do Big Bang, que é extremamente bem corroborada nos dias de hoje, afirma “apenas” que no passado distante o universo foi extremamente quente, denso e estava em rápida expansão. Expansão do próprio tecido do espaço-tempo! Não há nenhum local sobre o qual o Universo expande. É o próprio espaço, ou mais precisamente, o espaço-tempo que vem se expandindo desde então. Podemos nos perguntar então: e a singularidade? E de onde emerge o espaço-tempo em expansão com a matéria-energia em seu interior? Teve o universo realmente um início? Estas perguntas terão que esperar até que uma teoria da gravitação quântica seja estabelecida. Espera-se que esta nos mostre como o universo se comportou em um tempo menor que 0.00000000000000000000000000000000000000000001 s, que é o instante onde nossa física atual nos permite ir. Pode ter havido a eternidade antes deste tempo, pode realmente ter existido um início para o nosso universo, pode até mesmo ser que sejamos o que emergiu da morte de um universo anterior.
[1] Crédito da imagem: Ocal (public domain, clker.com Free Clipart) . URL: https://www.clker.com/clipart-cosmic-explosion.html.
[2] Edward Harrison. Cosmology: The Science of the Universe. 2nd Edition. Cambridge University Press (2000).
[3] Matts Roos. Introduction to Cosmology. 4nd Edition. Jonh Wiley & Sons (2015).
Como citar este artigo: Rodrigo Holanda. O universo surgiu de uma explosão ou BIG BANG? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/09/o-universo-surgiu-de-uma-explosao-ou-big-bang/. Publicado em 24 de setembro (2017).
Essas questões me levam a n questionamentos muito parecidos entre si. um deles é: O papel do cientista pode ser traduzido como “descrever a natureza” , “entender a natureza” “preserva-la, restaura-la e para isso compreende-la ” . Entendo natureza neste caso como ‘tudo’ inclusive o próprio cientista, ‘entender’ a natureza é entender como as coisas acontecem, o que rege esses acontecimentos, porque é dessa maneira e assim por diante.
Hoje (esse “hoje” eu me refiro a todo registro documental desde os antigos povos [que temos conhecimento] até os atuais) adquirimos uma noção bem consistente da natureza em certos aspectos (embora ela sempre nos surpreenda) a tal ponto que respondemos muitas questões complexas como também descobrimos muitas outras questões em aberto muito mais complexas “o que é carga?” ,”o que é massa?” . Aonde eu quero chegar? é o seguinte “será que a natureza nesse 0.00000000000000000000000000000000000000000001 s é a mesma da de hoje?”. Novamente, entendo natureza neste caso como “Tudo” . As vezes eu penso que nesse intervalo aí as coisas seriam desprovidas de descrição de qualquer linguagem devido a essa distinção de “naturezas”, mas aí eu entro numa “armadilha” porque se eu concebo a existência de duas “naturezas” distintas e cogito que não dá para entender uma pelo fato de está na outra, então “como eu sei que existe outra?” (essas coisas são bizarras, no bom sentido ou não) . Achei o seu texto muito bonito!
Olá amigo, não sei se entendi bem seu comentário, mas tentarei comentar. Bem, a nossa ignorância com relação ao universo quando o mesmo tinha um “tempo de vida” muuuito menor que 0.1 segundos é meramente técnica. Do instante que eu falei no texto (tempo de Planck) até o presente o universo é muito bem descrito pela teoria da gravidade de Einstein. Antes disso é necessária quantizar esta teoria, o que ninguém conseguiu até o momento. As massas das partículas e o próprio fóton decorre da partícula de Higgs, isto está bem estabelecido atualmente. A pergunta óbvia agora é de onde veio a partícula de Higgs, aqui precisamos de uma teoria quântica da gravidade. Porém, é precisa ter cuidado neste ponto. A mecânica quântica nos fornece comportamentos muito estranhos para o mundo atômico que foge do nosso dia-a-dia (e daí?!) , um destes comportamentos está relacionado ao nosso entendimento de causa-efeito, tão óbvio no nosso cotidiano, mas não no mundo atômico. Recentemente (ver referência abaixo), foi mostrado que a ordem causal definida pode não ser uma propriedade intrínseca da natureza, mas apenas algo que deriva da forma como interagimos com a ela. Isto pode trazer consequências muito interessantes sobre a origem do espaço-tempo (se é que teve origem).
Quantum correlations with no causal order
Ognyan Oreshkov, Fabio Costa, Caslav Brukner
Nature Communications
Vol.: 3: 1092
DOI: 10.1038/ncomms2076